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O bairro londrino preferido de quem ama arte; e o que um dos principais artistas de rua do momento me contou sobre ele - Guia das Artes
O bairro londrino preferido de quem ama arte; e o que um dos principais artistas de rua do momento me contou sobre ele
O bairro londrino preferido de quem ama arte; e o que um dos principais artistas de rua do momento me contou sobre ele
inserido em 2022-03-07 19:54:27
Conteúdo

 

Dos bairros em que eu visitei em cinco meses vivendo em Londres, Shoreditch foi o que mais me pegou.

O lugar cheira a tinta fresca e, a qualquer hora que você passe pela Brick Lane, é bem provável que encontre alguém agachado com suas latas de tinta na mão.

A atividade continua sendo ilegal no papel, mas acho que ninguém diria que é realmente ilegal em Shoreditch. As ruas do bairro mais cool de Londres são um museu ao ar livre feitas de um colorido lindo e artistas super talentosos, cada um com seu estilo. Um deles é David Speed, dono de uma técnica de grafite neon até então inédita nas ruas e com quem eu conversei exclusivamente para o Hypeness.

Os painéis pintados por David Speed em um prédio abandonado em Shoreditch

 
 

O que tem de tão interessante por lá?

Esqueça os painéis liberados pela prefeitura e as áreas turísticas onde é legalizado pintar. Em Shoreditch os grafites ocupam as paredes das casas, topos de prédios, becos, esquinas, estão por todo o lado acompanhados de esculturas coladas às paredes que você só vê se estiver prestando muita atenção. As condições do bairro são perfeitas para a cena artística que existe no momento.

A ex-área operária de Londres está no meio de um processo de gentrificação tão intenso que fez dela um verdadeiro canteiro de obras a céu aberto, fato que instalou no ar a realidade: ninguém se importa com o que vai ser pintado naquele prédio velho, ele vai ser demolido de qualquer jeito. Um dia você vê uma obra linda e na semana seguinte ela já não está lá, algo que aconteceu comigo algumas vezes. Para David Speed, essa é uma das partes mais legais da arte de rua: “Tem algo a ver com uma experiência. Se você experimenta um pedaço do meu trabalho nas ruas, tira uma foto e semana que vem não está mais lá, é isso que faz aquela experiência especial. Eu acho bonito que seja temporário, porque na verdade tudo é, né?”, diz o artista.

Primeiro teatro onde Shakespeare apresentou ‘Romeu e Julieta’

Uma febre neon tomou conta de Shoreditch nos últimos anos

Ver um dos painéis do David ao vivo é, com certeza, uma experiência. Eu lembro que a primeira vez que avistei um dos seus retratos, uma mulher negra linda no alto de um prédio, eu não conseguia tirar os olhos. Até tentei fotografar o brilho da tinta que eu via no momento, mas, exatamente como acontece quando se tenta fazer uma foto da Lua, o registro não chegava nem perto da versão real.

E não fui só eu a ser sugada pela energia dos seus grafites, David diz que foi exatamente por isso que escolheu o material e que adora ver a reação de quem passa pela rua: “É engraçado porque um monte de gente conhece o meu trabalho, mas não sabe como eu sou, então de vez em quando eu consigo ver pessoas observando os meus painéis em Londres, às vezes as pessoas cruzam a rua pra irem até a parede explorar, o brilho parece chamar elas até lá”, conta. 

O fato de que o seu trabalho pode desaparecer em prédios demolidos, repintados ou até mesmo ocupados por outros artistas é também algo que faz David permanecer ativo e continuar procurando novos spots pra pintar. Só em 2020, após o início da pandemia, o artista produziu 98 retratos em neon pelas paredes de Shoreditch, no que foi, na verdade, a última virada importante em sua carreira. “De repente eu tinha tempo livre, então comecei a experimentar com ideias antigas. Eu pintei o meu primeiro mural neon em 2018, mas depois deixei a ideia em pausa por dois anos porque eu simplesmente não tinha tempo”, conta o artista, que antes da pandemia (e do boom dos seus retratos neon que viraram febre nas redes sociais londrinas) estava a todo vapor com sua empresa Graffiti Life.

O carro rosa pintado por Banksy

O brilho neon em destaque no trabalho de David Speed

Da ilegalidade às grandes marcas: muita coisa mudou na cena londrina de arte de rua dos últimos anos 

David construiu o negócio após passar 10 anos pintando na ilegalidade e perceber que as coisas estavam ficando perigosas em Londres pra artistas de rua durante o início dos anos 2000. “Por volta de 2010, vários dos meus companheiros tinham sido presos por fazer grafite, estavam pegando de 3 a 5 anos de reclusão por pintar paredes. Eu percebi que estava correndo cada vez mais riscos, escalando lugares altos, correndo em trilhos de trem, invadindo prédios abandonados, minha vida estava se encaminhando pra eu me machucar, morrer ou ser preso”, conta.

Com a Graffiti Life, David já pintou e empregou outros artistas para pintar murais para marcas como Nike, Adidas, Reebok, Microsoft, eBay, BMW, Mercedes e a lista continua. Essa é, inclusive, uma das características interessantes de Shoreditch. Ao mesmo tempo em que a gente vê centenas de painéis independentes, grandes marcas de luxo estão chegando em peso pra fazer parte do lugar. Bem do lado da Brick Lane, por exemplo, a Gucci tem um painel com dezenas de metros de altura que muda de acordo com suas coleções: há alguns meses estampava uma grande Lady Gaga em seu casaco de inverno e, da última vez que eu passei por lá, o rosto de Jared Leto estava sendo pintado por um artista montado num andaime. Há quem ame e quem odeie o fato de Shoreditch ter virado o lugar pra onde todas as marcas querem ir, mas David tem uma visão bem realista do assunto.

“Por volta de 2010, vários dos meus companheiros tinham sido presos por fazer grafite”

“Shoreditch é o lugar pra onde todos os artistas vieram e isso fez a área virar cool. Justamente porque virou cool desse jeito, as marcas e lojas começaram a vir. Todo o tech world se mudou pra cá porque eles querem parecer cool e trendy. Só que isso significa que os artistas não conseguem mais bancar ter um estúdio em Shoreditch. O meu é um dos últimos que sobrou e logo logo vamos ter que nos mudar”, conta o artista, que também conseguiu ver uma oportunidade em tudo o que está acontecendo.

David decidiu usar esse novo interesse das marcas em seu favor e em favor de seus colegas artistas com quem ele trabalha na Graffiti Life. “Há uns 10 anos a gente começou a perceber que muita gente gostava do que estávamos fazendo. Embora os jornais chamassem de vandalismoas pessoas paravam para elogiar e para dizer o quanto todo aquele colorido estava tornando o lugar mais legal”, lembra. Foi aí que David aproveitou pra sair da ilegalidade e começou a pintar painéis para marcas por toda a cidade.

David pintando um de seus painéis

O artista diz que, assim como a opinião pública sobre grafite mudou muito nos últimos 10 anos, a crença limitada de que, para serem autênticos, artistas não podem ser pagos por seu trabalho, também ficou pra trás. “Eu acho bem estranho que as pessoas achem que a única forma de artistas serem puros é se eles não tiverem uma boa saúde mental ou se estiverem em dificuldades para pagar o aluguel. É por isso que eu conduzo um podcast toda semana, para ensinar criativos a monetizar seus negócios, a serem pagos para escrever, dançar, pintar ou qualquer outra coisa. É possível fazer disso uma forma de se sustentar”, conta o artista, citando o podcast Creative Rebels, que alcançou o número 1 no iTunes.

Muitos dos entrevistados pelo David no podcast têm trabalhos que podem ser vistos nas ruas de Shoreditch, já que, como ele mesmo diz: “Shoreditch é definitivamente o centro, é onde todos os artistas ingleses e internacionais vão pintar quando estão em Londres”.

Eu separei aqui embaixo alguns dos principais nomes que você deve procurar quando estiver por lá (além dos painéis neon incríveis do David, é claro), mas o importante é se deliciar com as cores dos painéis gigantescos, rir das esculturas malucas e se deixar levar pela atmosfera bonita e questionadora que todo museu, seja em um prédio ou a céu aberto, tem. 

Artistas e obras para ficar de olho em Shoreditch:

Tizer e Captain Kris: esses são dois artistas com identidades visuais completamente diferentes, mas que têm um painel em conjunto num dos prédios que mais chama atenção em Shoreditch. Em um painel chamado “Conectividade Importa” que une seis artistas ingleses, o robô do Captain Kris dá as mãos pra dançarina de Tizer num encontro de dois mundos que você pode ver da King Johns Court. 

Mr Cenz: com desenhos fortes, que sempre envolvem uma figura feminina e uma atmosfera de universo sideral, esses são alguns dos painéis mais coloridos e grandiosos que você vai ver por Londres.

Os brócolis de Adam Boswell instalados no topo de uma parede

Jimmy C – artista australiano respeitado em Londres, Jimmy usa a técnica aborígene de pintar com círculos pra criar obras como a “The Whitby Street Lady”, que acaba de fazer 10 anos em um beco de Shoreditch e ninguém ousa pintar por cima. Na verdade, da última vez que eu passei por lá a obra tinha acabado de ser restaurada, com tinta fresca nas partes descascadas e curiosamente tinha ganhado até uma plaquinha com QR Code colada à parede, pra quem quiser saber mais sobre a obra poder acessar as redes do artista. Se isso não é profissionalização da arte de rua, o que mais é?

The Global Street Art Agency: Assim como a Graffiti Life, essa agência conta com artistas talentosos pra pintar anúncios pela cidade, mas não espere publicidade comum. Um dos trabalhos mais interessantes desse grupo pra se ver por Shoreditch é a fachada do primeiro teatro onde Shakespeare se apresentou e onde aconteceu a primeira apresentação de Romeu e Julieta no mundo. É um prédio bem pequenininho logo do lado do mural sobre conectividade citado ali em cima e é o tipo de susto histórico que se recebe vivendo em uma cidade com milhares de anos. 

ROA: com painéis por todo o mundo, esse artista belga geralmente pinta animais tradicionais da fauna de onde ele está. O pássaro pintado por ele em Shoreditch é tão amado pelos moradores que, quando foi coberto em 2012 por um anúncio durante as Olimpíadas, a prefeitura recebeu reclamações até que a obra por baixo do anúncio fosse revelada de novo. 

Os brócolis de Adam Boswell: ao passar pelas ruas de Shoreditch é bem provável que você aviste um monte de brócolis colados às paredes e se pergunte o que aquilo está fazendo ali. A história é que em 2017 houve uma falta de brócolis no mercado por problemas na colheita e os preços do vegetal dispararam, com mercados montando até barricadas ao redor dele. Adam resolveu fazer pouco da situação colando brócolis de verdade nas paredes e, ao fazer sucesso com esses, continuou escondendo suas esculturas pelo bairro. Hoje ele tem uma loja na Brick Lane onde você pode arrematar sua escultura de brócolis pelo equivalente a 280 reais.

A escultura do pescador Mark Jenkins no topo do prédio

O pescador de Mark Jenkins: esse artista é conhecido por trabalhar com esculturas de corpos humanos bem realistas e no alto de um dos prédios centrais de Shoreditch é possível ver o Fisherman com o que parece um saco em volta da cabeça. A escultura é produto de uma mostra feita em Londres em 2018 que refletiu sobre a alta taxa de suicídios entre homens.

O carro rosa de Banksy: o artista de rua mais famoso do mundo também tem uma peça em Shoreditch e, se você não sabe de antemão, com certeza vai passar direto. Entrando em um dos becos da Brick Lane, mais precisamente no beco onde fica a loja do cara do brócolis, você dá de cara com um imenso carro rosa pintado por Banksy há mais de 15 anos. Originalmente, havia um motorista esqueleto pintado na janela, mas, como acontece com tudo que o artista faz, a janela foi retirada de lá e provavelmente vendida por um preço bem alto. Mas o carro continua por lá e, só porque foi ele que pintou o rosa da lataria, você vai ver a peça protegida por painéis transparentes como uma verdadeira obra de arte.

 

Fonte: Hypeness

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