Dos bairros em que eu visitei em cinco meses vivendo em Londres, Shoreditch foi o que mais me pegou.
O lugar cheira a tinta fresca e, a qualquer hora que você passe pela Brick Lane, é bem provável que encontre alguém agachado com suas latas de tinta na mão.
A atividade continua sendo ilegal no papel, mas acho que ninguém diria que é realmente ilegal em Shoreditch. As ruas do bairro mais cool de Londres são um museu ao ar livre feitas de um colorido lindo e artistas super talentosos, cada um com seu estilo. Um deles é David Speed, dono de uma técnica de grafite neon até então inédita nas ruas e com quem eu conversei exclusivamente para o Hypeness.
O que tem de tão interessante por lá?
Esqueça os painéis liberados pela prefeitura e as áreas turísticas onde é legalizado pintar. Em Shoreditch os grafites ocupam as paredes das casas, topos de prédios, becos, esquinas, estão por todo o lado acompanhados de esculturas coladas às paredes que você só vê se estiver prestando muita atenção. As condições do bairro são perfeitas para a cena artística que existe no momento.
A ex-área operária de Londres está no meio de um processo de gentrificação tão intenso que fez dela um verdadeiro canteiro de obras a céu aberto, fato que instalou no ar a realidade: ninguém se importa com o que vai ser pintado naquele prédio velho, ele vai ser demolido de qualquer jeito. Um dia você vê uma obra linda e na semana seguinte ela já não está lá, algo que aconteceu comigo algumas vezes. Para David Speed, essa é uma das partes mais legais da arte de rua: “Tem algo a ver com uma experiência. Se você experimenta um pedaço do meu trabalho nas ruas, tira uma foto e semana que vem não está mais lá, é isso que faz aquela experiência especial. Eu acho bonito que seja temporário, porque na verdade tudo é, né?”, diz o artista.
Uma febre neon tomou conta de Shoreditch nos últimos anos
Ver um dos painéis do David ao vivo é, com certeza, uma experiência. Eu lembro que a primeira vez que avistei um dos seus retratos, uma mulher negra linda no alto de um prédio, eu não conseguia tirar os olhos. Até tentei fotografar o brilho da tinta que eu via no momento, mas, exatamente como acontece quando se tenta fazer uma foto da Lua, o registro não chegava nem perto da versão real.
E não fui só eu a ser sugada pela energia dos seus grafites, David diz que foi exatamente por isso que escolheu o material e que adora ver a reação de quem passa pela rua: “É engraçado porque um monte de gente conhece o meu trabalho, mas não sabe como eu sou, então de vez em quando eu consigo ver pessoas observando os meus painéis em Londres, às vezes as pessoas cruzam a rua pra irem até a parede explorar, o brilho parece chamar elas até lá”, conta.
O fato de que o seu trabalho pode desaparecer em prédios demolidos, repintados ou até mesmo ocupados por outros artistas é também algo que faz David permanecer ativo e continuar procurando novos spots pra pintar. Só em 2020, após o início da pandemia, o artista produziu 98 retratos em neon pelas paredes de Shoreditch, no que foi, na verdade, a última virada importante em sua carreira. “De repente eu tinha tempo livre, então comecei a experimentar com ideias antigas. Eu pintei o meu primeiro mural neon em 2018, mas depois deixei a ideia em pausa por dois anos porque eu simplesmente não tinha tempo”, conta o artista, que antes da pandemia (e do boom dos seus retratos neon que viraram febre nas redes sociais londrinas) estava a todo vapor com sua empresa Graffiti Life.