O realismo social, o concretismo e o neoconcretismo estão entre os grandes legados que a América Latina deixou para a história da arte ocidental, desconsiderados aqueles que possam ter sido ofuscados por processos de invisibilização.
O século 20 foi marcado pelo enfrentamento entre abstracionistas e figurativistas, assim como por discussões acerca do caráter político dessas correntes. O realismo social nasceu comprometido com a preocupação social da classe trabalhadora, vinculado a uma ideologia comunista revolucionária anti-imperialista. A abstração do período pós-Segunda Guerra Mundial foi teorizada tanto como uma investigação formalista sobre a arte autônoma e de forma pura, representando um distanciamento de condições históricas, quanto como uma alegoria da crise das artes comprometidas com ideologias.
Diante do contexto da Guerra Fria e da polarização global entre capitalismo e comunismo, essas duas esferas acabaram submetidas a representações ideológicas de cada lado do conflito, independentemente do alinhamento político de seus expoentes. Enquanto a abstração foi associada à retórica anticomunista, o realismo social muito sucumbiu a ações propagandísticas de governos de linhas marxistas. Com a soberania dos Estados Unidos, as manifestações associadas ao figurativismo foram qualificadas como demasiadamente narrativas, demagógicas, nacionalistas ou de pouca qualidade. Passados 30 anos da queda do Muro de Berlim, a retomada da figuração e a problematização das questões levantadas pela abstração geométrica repercutem na obra de artistas contemporâneos como Thiago Martins de Melo e Amalia Pica.
O filho perdido do Muralismo
Convidado a realizar residências artísticas pelo México, o artista maranhense Thiago Martins de Melo tem viajado muito ao país nos últimos dois anos e é comum que os mexicanos relacionem seu trabalho ao Muralismo, um dos braços do Realismo Social na América Latina. “É uma relação de pintura, política, história e colonialismo. Eles fazem essa associação como se eu fosse o filho perdido do Muralismo no Brasil”, conta Martins de Melo à seLecT. Apesar de essa associação não ser direta e intencional, entre seus artistas preferidos estão os mexicanos José Clemente Orozco (1883-1949) e David Alfaro Siqueiros (1896-1974). “Meu pai é pintor e sempre gostou muito desses artistas. Quando aprendi a pintar, lembro que conheci os muralistas mexicanos justamente pela temática social e todo o engajamento que eles tinham com o Partido Comunista.”
Os elos que ligam a obra do maranhense com o Muralismo mexicano são vistos na predominância da pintura entre as linguagens com as quais trabalha; na larga escala; no aspecto realista e expressionista de suas imagens e na dimensão política dos signos que reúne. Diferentemente do Realismo Social, seus trabalhos partem de seu universo pessoal e dizem muito sobre suas relações de intimidade. Porém, nas pinturas disruptivas e altamente simbólicas de Thiago Martins de Melo encontram-se denúncias e posicionamentos políticos assertivos. Diante da abundância e da justaposição de imagens, as mensagens políticas sobressaltam em camadas que explicitam a mixórdia que é a identidade brasileira, latino-americana e ameríndia.