A sétima edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) quer discutir a violência, com destaque para a transfobia e a intolerância, que transforma o próximo em inimigo.
No entanto, segundo Antonio Araujo, um dos idealizadores da MITsp, não há um eixo que guie as escolhas curatoriais, mas sim a presença de discussões urgentes em alguns espetáculos.
– Queremos colocar algumas questões na mesa – disse Araujo ao GLOBO.
Para tratar dessas questões, parte da programação é dedicada ao teatro documental.
– Há alguns anos, o teatro documental é muito forte na mostra. Este ano, vamos lançar mão de recursos próprios como a metáfora, a poesia, e o absurdo – explica Araujo. – O absurdo nos ajuda a chegar ao real.
A programação da MITsp conta com 12 espetáculos que serão encenados em diversos espaços paulistanos entre 5 e 15 de março. São produções vindas de países como Alemanha, Chile, França, Portugal e Suíça.
O espetáculo “Burgerz” resume bem as questões que a MITsp quer discutir. A peça é inspirada da ofensa transfóbica sofrida pela dramaturga inglesa Travis Alabanza (que se define com uma pessoa não binária) em plena luz do dia em Londres. Uma das vozes trans mais destacadas do Reino Unido, Alabanza utiliza a plateia para explorar de forma pungente e bem-humorada como os corpos de travestis e transexuais sobrevivem e se recuperam de atos de violência.
A abertura da MITsp, no entanto, se parecerá mais com uma rave. No dia 5, no Auditório Oscar Niemayer, no Parque Ibirapuera, será apresentado “Multidão”, espetáculo assinado pela coreógrafa e diretora franco-austríaca Gisèle Vienne, no qual 15 jovens ocupam o palco e experimentam as mais diversas emoções ao som de música techno.
Na MITsp, Gisèle apresenta ainda o espetáculo “Babaca”, concebido em parceria com o escritor americano Dennis Cooper. No palco, o ator e ventríloquo francês Jonathan Capdevielle interpreta Dean Corll (1939-1973), conhecido como “the candy man” (o homem dos doces), que torturou, estuprou e matou mais de 20 meninos texanos nos anos 1970. Em “Babaca”, ele se reinventou como um titereiro na prisão.
Outro destaque da programação é o dramaturgo português Tiago Rodrigues, diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Rodrigues apresenta dois espetáculos na MITsp: “Sopro” e “By heart” (De cor). “Sopro” é protagonizado por Cristina Vidal, que há quase 30 anos trabalho como “ponto”, a pessoa que "sopra" as falas para os atores quando esquecem o texto. Cristina confunde suas próprias memórias com trechos de peças de Shakespeare, Molière e Tchékhov. Já “By heart” é uma homenagem de Rodrigues a sua avó, Cândida, que costumava decorar trechos de livros.
Espetáculos brasileiros
Além dos espetáculos internacionais, a programação da MITsp conta também com a terceira edições da a MITbr – Plataforma Brasil, um panorama da produção teatral brasileira. São 12 peças de vários cantos do país: Ceará, Piauí, Paraná, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco e outros estados.
Perguntado se os casos de censura a peças em 2019 influenciaram as escolhas curatoriais, Araujo disse que a MITSp continua “a reforçar os valores nos quais a gente acredita”:
– Queremos discutir preconceito, extermínio, precarização e outras questões que são caras a boa parte da população. A mostra tem esse posicionamento. Não vamos abrir mão de lutar por determinadas coisas.