RIO — Após centrar suas mostras, palestras e seminários em temas como “Histórias da loucura” e “Histórias feministas” (2015), “Histórias da infância” (em 2016) e “Histórias da sexualidade” (em 2017), o Museu de Arte de São Paulo (Masp) abre hoje seu ciclo de 2018, dedicado às narrativas afro-atlânticas, com as exposições “Imagens do Aleijadinho” e “Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência”. O diálogo entre os conjuntos reforça o debate que a instituição tenta levantar nos 130 anos da Lei Áurea, sem deixar de destacar as características de cada artista e a relação com o seu tempo. Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, é apresentado para além do mito que cerca sua figura e importância histórica, enquanto Maria Auxiliadora (1935- 1974) volta a ocupar lugar de destaque em uma grande instituição após quase quatro décadas.
— A última exposição de peso sobre Maria Auxiliadora foi feita em 1981, no próprio Masp. Pesquisávamos este acervo há quase três anos, são 82 obras que destacam seu trabalho por suas qualidades técnicas e compositivas — ressalta Fernando Oliva, que assina a curadoria da exposição com Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu paulistano. — Sua obra é apresentada como a de uma “artista brasileira”, sem recorrer a categorizações como naïf ou primitiva, que sempre acompanharam a sua produção.
Pintora autodidata, Maria Auxiliadora se destacou entre os anos 1960 e 1970, após expor seus trabalhos em feiras em Embu das Artes (SP) e na Praça da República, na capital paulistana. A mostra do Masp apresenta a sua obra em seis núcleos temáticos: “Autorretratos”, “Casais”, “Interiores”, “Manifestações populares”, “Candomblé, umbanda e orixás” e “Rural”.
— A obra da Maria Auxiliadora é marcada pela relação íntima com os fatos de sua vida. Mas em vez de reforçarmos a sua condição social ou o caráter pitoresco que era visto na sua produção, queremos lançar indagações ao público, como, por exemplo, por que esta obra permaneceu eclipsada por tanto tempo? — comenta Oliva. — As quatro telas do acervo do Masp que integram a exposição foram as primeiras de uma artista negra a serem exibidas nos cavaletes de vidro projetados pela Lina Bo Bardi. Mas tentamos trazer esta perspectiva histórica através de um olhar contemporâneo, das referências que permanecem da sua obra.
Já Aleijadinho é um dos artistas brasileiros mais conhecidos do grande público, graças às obras sacras esculpidas em madeira e pedra-sabão entre os séculos XVIII e XIX, durante o Ciclo do Ouro nas cidades históricas de Minas Gerais. A mostra tem o foco nas esculturas devocionais criadas pelo artista para altares de igreja e oratórios em residências, incorporadas, ao longo dos anos, a acervos públicos e privados. A exposição conta ainda com material iconográfico de época como gravuras de viajantes do início do século XIX, e fotos que destacaram sua obra no século XX, assinadas por nomes como Horacio Coppola e Marcel Gautherot.
— A maioria das pessoas conhece mais o Aleijadinho pelo mito que cerca sua figura do que por sua obra. Muitos inclusive ignoram o fato de ter sido um artista negro — frisa Rodrigo Moura, curador-adjunto de arte brasileira do Masp, que assina a seleção da mostra. — A proposta é mostrá-lo como um artista que incorporou elementos da Europa, da África e da América, mais do um brasileiro que recriou aqui o barroco europeu. Sua obra reflete características das sociedades do Ciclo do Ouro em Minas, que eram compostas em 80 por cento de pessoas negras e pardas, como ele.
Fonte: oglobo