Flavia Renault abre "Roda das Deidades", primeira exposição individual na capital mineira, com curadoria de Paula Borghi, na UFMG.
Os trabalhos inéditos trazem a influência religiosa da família e do Barroco Mineiro, levando o visitante a circular nesta roda feminina e divina
Flavia Renault apresenta a exposição individual 'Roda das Deidades', no Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais, com curadoria de Paula Borghi, trazendo sete peças em escala humana, realizadas com algodão cru, e , gavetas antigas de madeira, ao lado de outras obras, mostrando uma influência fortemente religiosa e do Barroco Mineiro, expressões que marcam a exposição e sua pesquisa como um todo.
A deidade é a fonte de tudo aquilo que é divino. Sobre a escolha do título, ela explica: “É um roda de conversas, que pode ser tanto de seres invisíveis, de forças, como de mulheres, de Deusas. É também uma dança circular, algo que a gente vê em todas as culturas.” A instalação fica localizada no centro da sala expositiva, atuando tal qual um círculo sagrado comumente adotado em ritualísticas.
Em diálogo com essa grande instalação, apresenta-se também um conjunto de desenhos realizados a partir de documentos familiares e uma série de esculturas que se utilizam, sobretudo, de materiais como madeira, tecido e papel. Expondo principalmente trabalhos inéditos, produzidos entre os anos de 2022 e 2024, a curadora Paula Borghi comenta: “São trabalhos que conversam com o Barroco Mineiro e justamente por isso a espiritualidade é algo tão importante para a mostra. O que temos é uma discussão contemporânea sobre o tema, que vai desde uma missa católica, a uma conversação filosófica goetheana e um sabbath das bruxas”.
Contemplada no Projeto Galerias – Artes Visuais da UFMG, Roda da Deidades é a primeira individual da artista na capital mineira, território tão importante para sua formação artística e pessoal.
Sobre Flavia Renault
Flavia Renault é graduada em Artes Plásticas pela FAAP. Logo após a graduação deu a volta por terra pelo Brasil com o Projeto Contorno, resultando em dois livros incentivados pela Lei Rouanet, em 1999. Partindo de questões existencialistas, com ocorrências metafóricas do conceito de renascimento, sua obra é marcada por uma característica cíclica. Pela revisitação de memórias pessoais, familiares e até mesmo ficcionais, seu trabalho comumente apresenta resíduos encontrados e objetos colecionados. Das exposições mais recentes, vale destacar a individual Arquipélago no Centro Cultural Correios de São Paulo - 2023 e as coletivas Três Marias no Centro Cultural Correios do Rio de Janeiro - 2024 e Toda volta na Galeria Babel em São Paulo - 2023. Carioca de nascimento e residente em São Paulo desde a juventude, Flavia Renault vem de uma família mineira marcada por mulheres artistas. Foi em Belo Horizonte que ela teve seu primeiro vínculo com as artes visuais e é nesta cidade que ela encontra uma segunda morada.
Sobre Paula Borghi
Paula Borghi é doutoranda e mestre em Artes Visuais na linha de História e Crítica de Arte pela UFRJ. Curadora independente, recentemente realizou exposições no Museu das Culturas Indígenas, Casa das Rosas, Biblioteca Mário de Andrade, Paço Imperial, Museus de Ribeirão Preto e Pinacoteca de São Bernardo do Campo. Foi curadora adjunta da 11ª Bienal do Mercosul.
Texto curatorial Roda das Deidades
Existem certas coisas que são fundamentais para a vida, por mais que aos olhos de outros sejam vistas como cacarecos sem a menor utilidade. Isso porque há uma certa “loucurinha lúcida” em colecionar determinados elementos, acreditando que documentos antigos e burocráticos sejam capazes de serem transformados em trabalhos de cura. Tal como se vê nas figuras de ex-votos, imagens que estabelecem uma comunicação tangível com o divino e exercem um papel fundamental nas práticas religiosas e culturais ao longo dos séculos, a produção artística de Flavia Renault vai ao encontro deste lugar mágico dos objetos.
Trabalhando com uma diversidade de técnicas e materiais, muitas vezes os objetos presentes em sua produção se encontram na forma de amuletos (possuem uma carga mágica e um poder de proteção), heranças familiares (reestabelecem conexões com o passado), coletas (demarcam os lastros da vida) e regalos (celebram a identificação do outro para com nós mesmos) entre outros. Todavia, o que eles têm em comum é o fato de serem como tesouros para a artista, como peças insubstituíveis que carregam a carga simbólica de toda uma vida.
Portanto, a compreensão da importância de cada uma das materialidades aqui presentes talvez seja o primeiro passo para se adentrar à individual de Flavia Renault, artista que trabalha com arte como quem monta um altar. Há uma reverência aos artefatos utilizados em seus trabalhos, pois eles são capazes de traduzir em imagem o jeito dela enxergar a vida, ao mesmo tempo em que apontam para aquilo que é próprio do invisível. Em outras palavras, acredita-se que o modo como a matéria por ela é trabalhada acarreta uma responsabilidade espiritual ao fazer artístico.
É por esta dimensão espiritual e subjetiva, própria da conexão da artista com cada elemento, que é traçado um mapa simbólico, afetivo e imaginativo para se percorrer a mostra. O chifre de boi é capaz de fazer uma conexão do céu com a terra, enquanto que seios simbolizam a fertilidade e o alimento primeiro; a vela ilumina os caminhos e detém o sopro da vida; o livro é o grande guardião da sabedoria e assim por diante. Cada objeto carrega um significado e uma forma de se vincular com as histórias de seus símbolos e da própria artista.
Não à toa, a primeira grande imagem que salta aos olhos ao se entrar no espaço expositivo é a de um círculo, um dos símbolos mais antigos e recorrentes na História da Humanidade. Trata-se de uma imagem cuja natureza e origem não são individuais e sim coletivas, nomeada pelo psicanalista analítico Carl G. Jung de símbolo arquétipo; a grosso modo, aquilo que detém muita numinosidade ou energia psíquica, impregnado de uma herança comum de padrões de comportamentos emocional e intelectual, manifestado há muitas e muitas gerações, como se expressasse um código universal.
Portanto o círculo, um símbolo arquétipo com um fundo psíquico comum à humanidade, cria uma relação direta com o ciclo da vida, como bem se nota em Roda das Deidades e a própria artista contextualiza: É uma roda de conversas, que pode ser tanto de seres invisíveis, de forças, como de mulheres, de Deusas. É também uma dança circular, algo que a gente vê em todas as culturas. Se poderia também mencionar que a montagem circular do trabalho estaria em relação a um sabbath das bruxas, uma ciranda popular, ao ato coletivo de formar um círculo com os corpos etc... (...)
Paula Borghi
São Paulo, julho 2024
Serviço
Exposição: Roda das Deidades
Artista: Flavia Renault
Curadoria: Paula Borghi
Assessoria de Imprensa: Paula Ramagem
Local: Centro Cultural UFMG
Av. Santos Dumont, 174 - Centro – Belo Horizonte | MG
Abertura: 16/08/2024
Visitação: 16/08 a 22/09/2024
Dias e horários: terças a sextas: 9h às 20h | sábados, domingos e feriados: 9h às 17
Censura livre.
Gratuito