Eliseu d’Angelo Visconti nasceu em 30 de julho de 1866, na Vila de Santa Catarina, Comuna de Giffoni Valle Piana, Província de Salerno, Itália. Filho de Gabriel d’Angelo e de Christina Visconti, teria imigrado para o Brasil com um ano de idade, segundo Frederico Barata, seu principal biógrafo e autor do primeiro livro sobre o pintor, Eliseu Visconti e Seu Tempo, de 1944. No entanto, informações posteriores, prestadas inclusive por seu filho, Tobias d’Angelo Visconti, revelam que Visconti viajou para o Brasil já menino. Uma carta de próprio punho, encaminhada por Eliseu Visconti em 26 de agosto de 1938 a Oswaldo Teixeira, à época diretor do Museu Nacional de Belas Artes, constitui o único documento que faz menção ao ano em que Visconti imigrou. De seu texto, depreende-se que sua vinda para o Brasil teria ocorrido em 1873, aos sete anos de idade, portanto.
O erro de Frederico Barata, mais amigo que biógrafo, com certeza foi proposital, pois grande insatisfação se abatia sobre Visconti sempre que tinha contestada a sua brasilidade. Preferiu o artista que o livro sobre sua vida e obra, não podendo esconder o local de seu nascimento, ao menos o colocasse em terras brasileiras desde o seu primeiro ano de vida. Uma carta endereçada por Visconti a Theodoro Braga, em 1942, ajuda a absolvê-lo pela falsa informação prestada:
“Há quase setenta anos que habito o Rio, tenho o direto a ser carioca; local onde o meu espírito se formou e abriu-se à sensação estética que até hoje me prende à vida! […] O que é preciso mais para ser brasileiro? […] Nunca cometi uma ação de esquecimento para com a minha pátria, onde formei o meu espírito. A questão do nascimento é um incidente na vida. Poderá ser um incidente a permanência de 70 anos numa terra onde um homem plasmou a sua alma, amado, estimado e consagrado por todos, não!!! […] É verdade que sob o ponto de vista da arte eu não fiz jus e não correspondi a tanta benevolência recebida de minha pátria adotiva.”
Visconti menino foi trazido por influência de D. Francisca de Souza Monteiro de Barros, a baronesa de Guararema, aluna de pintura de Victor Meirelles e que se tornaria grande incentivadora e protetora de Visconti. Em tratamento de saúde na Itália, a baronesa convence a família de Eliseu a deixá-lo vir para o Brasil, juntamente com sua irmã Marianella. Aqui já se encontravam seus irmãos maiores, Tobias, Afonso e Anunciata. Eliseu Visconti instala-se inicialmente na Fazenda São Luiz, em São José de Além Paraíba, de propriedade de Luiz de Souza Breves, o barão de Guararema.
Se a intenção do barão e da baronesa ao trazer Visconti e seus irmãos era ter ajuda na lavoura de café, a afeição da baronesa pelos cinco italianinhos frustraria esses planos e logo os afastaria da fazenda, em busca de uma formação que nada tinha a ver com o trabalho rural. E esse amor maternal, explícito em cartas da boa senhora, certamente ajudou Eliseu a superar a ausência dos pais, que nunca vieram ao Brasil.
Eliseu vem jovem para o bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro, e estuda música no Club Mozart, na Rua da Constituição, com o compositor Vincenzo Cernicchiaro. Mas foram as lições de solfejo com Henrique Alves de Mesquita, interrompidas com a irritação do maestro a cada nota desafinada, que afastariam Eliseu definitivamente da música. E o precoce talento pelas artes plásticas finalmente prevaleceu, após a baronesa ver um de seus desenhos, representando a figura de uma camponesa romana. A conselho de sua protetora, Visconti deixa de frequentar as aulas de música e abraça os estudos de desenho e pintura. Naqueles idos de 1882, a baronesa era a proprietária do antigo solar da marquesa dos Santos, em São Cristóvão, hoje Museu do Primeiro Reinado. Lá conservava precioso acervo de arte, com certeza mais um incentivo ao jovem Visconti.
A matrícula no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro viria ainda no ano de 1882. Tobias d’Angelo, irmão de Eliseu, por conta de sua atuação no jornal que fundara voltado à colônia italiana, La Voce del Popolo, mantinha amizade com o poeta Otaviano Hudson. E o poeta ligaria seu nome às artes plásticas ao encaminhar Eliseu com uma carta de apresentação a Francisco Bethencourt da Silva, fundador do Liceu, instituição voltada para atender estudantes de classes menos favorecidas.
Os trabalhos de Visconti, além de valerem-lhe dos colegas o apelido de “papamedalhas”, despertaram a atenção dos professores do Liceu, entre os quais Victor Meirelles, José Maria de Medeiros, Estevão Roberto da Silva, Belmiro de Almeida e Pedro José Peres.
Sem abandonar o Liceu, ingressa na Imperial Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1885, estimulado por D. Pedro II. O imperador, um ano antes, em uma de suas visitas ao Liceu, impressionado que ficara com uma escultura de Visconti intitulada As Romãs, havia aconselhado o jovem Eliseu a continuar seus estudos na Academia: “Por que o senhor não entra na Academia? O senhor deve continuar, deve entrar o quanto antes na Academia.” Foram as palavras de D. Pedro II ao ser apresentado a Visconti por Estevão Silva, durante solenidade no Liceu Imperial de Artes e Ofícios. O imperador gostava de pessoalmente distribuir os prêmios aos alunos da Instituição.
Na Academia, Visconti teria novamente como professores Victor Meirelles e José Maria de Medeiros, e ainda Zeferino da Costa, Henrique Bernardelli e Rodolpho Amoedo. Mas receberia a última recompensa do Liceu em 1886, novamente das mãos do imperador, que lhe entrega o prêmio da Medalha de Prata em Ornatos e acrescenta: “Vejo que o senhor progride. Isto me causa grande satisfação. Quando entra para a Academia?” Visconti, emocionado por ter sido reconhecido pelo imperador, gagueja e não consegue agradecer a D. Pedro II nem lhe comunicar que já ingressara na Academia. Anos depois, o agradecimento viria em forma de homenagem, quando Visconti, já em plena República e mesmo sofrendo críticas, inclui a figura do imperador no pano de boca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Durante sua permanência na Academia, Visconti receberia prêmios que, se analisados qualitativamente, denotavam uma tendência que resultaria na grande conquista do prêmio maior, o da viagem ao exterior.[1] Visconti adquiriu sólida formação artística que, aliada ao seu temperamento inquieto, faria com que participasse de episódios marcantes, prenúncio do surgimento de um artista com personalidade renovadora, sempre aberto a novas experiências.
Após a proclamação da República, como reflexo dos momentos de transição política, a Academia de Belas Artes foi palco de intensos debates entre grupos de professores e jovens alunos que propunham caminhos alternativos para a reforma a ser empreendida na Academia.[2] Lutava-se contra as normas de ensino então vigentes, herança da missão artística francesa de 1816. O grupo dos modernos, dentre os quais se alinhavam Eliseu Visconti, José Fiúza Guimarães e Rafael Frederico, pressionavam por uma ampla reforma dessas antigas normas, bastante defasadas das ideias mais arejadas trazidas da Europa pelos professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo. Por exemplo, o regimento interno da Academia exigia que as aulas se desenvolvessem no recinto da Escola, impedindo o contato direto do artista com a natureza. Foi contra medidas desse tipo, somadas ao fato de os mestres não buscarem renovação, limitando-se ao aperfeiçoamento formal, que Eliseu Visconti e seu grupo se insurgiram. Queriam também os modernos que fossem restabelecidas as provas para Prêmio de Viagem à Europa, interrompidas desde 1884.
Enquanto isso, os positivistas, mais radicais, pregavam mesmo a extinção da Academia, instituição que consideravam anacrônica, pleiteando “inteira liberdade aos aspirantes das artes, sem sujeitarem o caráter aos corruptos processos do regime acadêmico”.[3] Dentre os positivistas estavam Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio de Figueiredo. Num terceiro grupo, na defesa das normas tradicionais de ensino, reuniam-se os conservadores.
Assembleias realizadas em 16 e 21 de junho de 1890, das quais participam alunos e professores da Academia, indicam uma primeira aproximação entre modernos e positivistas. E em meados daquele ano, um projeto comum, fruto de acordo entre os dois grupos, era encaminhado a Benjamin Constant, ministro do Interior encarregado da reforma da Academia.
Ainda assim, talvez com o intuito de pressionar o governo e apressar a reforma, em 15 de julho daquele ano, os modernos, acompanhados pelos professores com eles afinados, afastam-se da Academia e fundam o Ateliê Livre. Montado inicialmente num barracão construído no Largo de São Francisco, o Ateliê Livre, após dois meses de funcionamento, transferiu-se para um sobrado à Rua do Ouvidor. O curso de pintura do Ateliê, ministrado por Rodolpho Amoedo e pelos irmãos Bernardelli, logo despertou a curiosidade de artistas já formados, dentre os quais João Batista Castagneto, várias vezes visto visitando o antigo sobrado.
Finalmente, em 8 de novembro de 1890, o governo da República terminou por aprovar a reforma proposta pela comissão encabeçada por Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo. É criada a Escola Nacional de Belas Artes e os dois professores da comissão são nomeados diretor e vice-diretor da Escola, respectivamente.
Os professores Victor Meirelles, Pedro Américo, Maximiano Mafra e Moreira Maia, ligados ao antigo regime, aposentam-se. O movimento dos modernos, ao qual Eliseu Visconti se engajara com o entusiasmo dos seus 23 anos, acabara por atingir o grande Victor Meirelles, seu mestre e por quem Visconti daria mostras de enorme admiração por toda a sua vida. Sobre a tela A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles, Visconti diria a Frederico Barata: “[…] em qualquer lugar do mundo este monumento deveria estar sozinho em uma sala, onde só ele dominasse, só ele fosse visto, sem que nada distraísse o olhar de sua esplêndida grandeza”.
Com o fechamento dos cursos do Ateliê Livre, seus integrantes podiam agora retornar à escola oficial. Mas antes de abandonar o prédio da Rua do Ouvidor, organizam uma exposição coletiva inaugurada no dia 26 de novembro, contendo trabalhos de filiados ao movimento e que contou com a colaboração financeira de simpatizantes e patrocinadores do Ateliê Livre, como Fonseca Araújo, Luiz de Rezende e José do Patrocínio. Organizada nos moldes do Salon des Indépendants dos impressionistas franceses, a mostra atraiu numeroso público, destacando-se como expositores Eliseu Visconti, Rafael Frederico, José Fiúza Guimarães, Bento Barbosa e França Júnior.
O orgulho do jovem Eliseu em participar daquela experiência contestadora ficou registrado em uma pintura sua, datada de 24 de setembro de 1890, na qual se pode ler: Atelier Livre, e a dedicatória a Julio de Magalhães Macedo, colega que com ele fez parte da primeira lista de inscritos para o curso livre de pintura. [4]
Cabe assinalar que Frederico Barata registra em seu livro o ano de 1889 como o da formação do Ateliê Livre e da realização da exposição coletiva. No entanto, Ana Maria Tavares Cavalcanti demonstra, através de consultas a edições da época do jornal O Paiz, que houve equívoco de Frederico Barata no registro dessas datas, equívoco repetido por aqueles que utilizaram o livro do eminente jornalista e crítico de arte como fonte de consulta. Também o termo “modernos”, utilizado por Frederico Barata para designar o grupo de professores e alunos que lutavam por uma reforma nos regulamentos da Academia, não foi encontrado pela pesquisadora, fazendo os jornais da época menção aos grupos dos “novos” e dos “positivistas”.[5]
Ao finalizar seus estudos no Brasil, Visconti já estava capacitado tecnicamente diante das questões da pintura então em voga na Escola. Essa maturidade pode ser percebida na paisagem Mamoeiro, com a qual o artista conquista, ainda em 1889, a Medalha de Ouro em Pintura. Nessa obra já se apresentam aspectos que seriam constantes na produção de Visconti, como, por exemplo, o manejo da cor. As qualidades de Visconti seriam confirmadas pela sugestão de compra de duas de suas obras para integrar a nova galeria da Academia, fato marcante se considerada sua então condição de estudante.[6]
Em 1892 é organizado o primeiro concurso da República, tendo como prêmio a concessão de bolsa de estudos na Europa. Eliseu Visconti, que tanto lutara por ver restabelecido esse prêmio, participa e vence o concurso, sendo o primeiro pensionista da República pela Escola Nacional de Belas Artes.
NOTAS:
[1] José Luiz da Silva Nunes, Eliseu D’Angelo Visconti: sua Formação Artística no Brasil e na França. Dissertação de mestrado em História e Crítica de Arte, Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003, p. 14.
[2] Ibid., p. 18.
[3] Frederico Barata, Eliseu Visconti e Seu Tempo. Rio de Janeiro: Editora Zelio Valverde, 1944, p. 34.
[4] Mirian Nogueira Seraphim, 1890-O primeiro ano da República agita o meio artístico brasileiro e marca a carreira de Eliseu Visconti. In: Oitocentos: Arte brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ/DezenoveVinte, 2008, p. 257-272.
[5] Ana M. T. Cavalcanti, Os Artistas Brasileiros e os Prêmios de Viagem à Europa no Final do Século XIX: Visão de Conjunto e um Estudo Aprofundado Sobre o Pintor Eliseu D’Angelo Visconti (1866-1944), tese de doutorado, Université Paris, U.F.R. D’Histoire de I’Art et Archeologie, Panthéon Sorbonne, Paris, 1999.
[6] José Luiz da Silva Nunes, 2003, p. 36.
Fonte: https://eliseuvisconti.com.br/primeiros-tempos-1866-1892/#_ftn2