Carregando... aguarde
Um gênio, naturalmente - Guia das Artes
Um gênio, naturalmente
Um gênio, naturalmente
inserido em 2022-01-11 17:10:33
Advogada e escritora. Carioca com coração mineiro.
Veja outras colunas de Gabriela Alvarenga Maya
Conteúdo

Se por acaso as primeiras folhas de O Nome da Rosa já passearam por seus olhos, o título deste artigo certamente o conectou à Estação Umberto Eco. A alegoria da Estação ocorre para melhor esboçar um átimo de quem foi il Signore Eco. Para os que desconhecem a bibliografia deste que foi considerado o maior pensador do século XX, desejo, através destas modestas linhas, apresentar-lhes um breve perfil de Umberto. Conhecer a bibliografia do semioticista, filósofo, historiador, professor, romancista, ensaísta, linguista, não chega a ser uma grande tarefa,  é só “dar um Google”. Difícil mesmo seria se familiarizar com a biblioteca de Umberto, eram mais de 30.000 títulos até sua morte em 19 de fevereiro de 2016. No entanto, diferente de quem acumula livros nas prateleiras para impressionar não-leitores, Umberto sabia bem onde estavam suas crianças na hora de consultá-los. Isto porque livros eram, segundo ele, objetos de pesquisa e não apenas livros. Quem sabe livro fosse apenas um adjetivo para algo do qual usufruímos temporariamente; ou para devorar a história por dentro das capas, adquirir um conhecimento específico. Objeto de pesquisa, por sua vez, seria a forma de homenagear os “Seres Paginados”, pois, assim jamais se tornarão obsoletos. Serão, por conseguinte, tratados com o respeito e o fascínio de olhos  não  viciados.

 Foi com a alma de pesquisador que Umberto, após trabalhar como editor na RAI ( Italian Radio-Television) por anos, abraçou definitivamente a carreira acadêmica. Em 1954 recebeu seu título  Ph.D em estética, pela Universidade de Turim sem, contudo, lecionar. Somente em 1971 após deixar o posto de editor cultural, assumiu a cátedra de professor na Universidade de Milão. A disciplina: Estética e Semiótica, algo mais ou menos parecido como ensinar a origem dos símbolos desde que o mundo é mundo, relacioná-los com a metalinguagem e traduzí-los com os diversos meios de interação humana. Para tanto Umberto sugeria que os símbolos da filosofia, desde o nascedouro, fossem reinterpretados. É o que ele nos diz em seu trabalho de não-ficção: Da Árvore Ao Labirinto, um dos 37 ensaios que escreveu, além dos 7 romances consagrados. Traço marcante na escrita de Umberto, tanto a romanceada quanto a acadêmica, são as referências, sobretudo a textos da Idade Média, dando a ele o reconhecido título de medievalista. É portanto compreensível que o autor mencione os manuscritos sempre que pode. Confessava-se caçador e colecionador de manuscritos, fossem eles de qualquer gênero. Motivo pelo qual crio para ele, como admiradora, um outro título: arqueólogo. O latim, é outro elemento que marca a literatura “econiana”.  O professor parece guardar o desejo de ressuscitar a língua morta, ao fazer isso nos diz que todas as línguas coexistem no Universo da Litertura.

 E se a Alexandria do Egito tem seu idealizador ( O Grande Alexandre) para se orgulhar, a cidade de Alexandria em Piemonte, Norte da Itália, tem o inigualável Umberto Eco, general dos generais na arte da escrita, para chamar de seu. Lá nasceu, dia 5 de janeiro de 1932, o filho de um professor - Giulio Eco e de Giovanna Eco. E como general das palavras, em O Segundo Diário Mínimo, arregimenta crônicas e artigos, onde nos arranca risos passeando entre o lúdico e o casual ao descrever sua infância e seus  princípios familiares na crônica; Como tomar um sorvete. Da descrição minuciosa de um relógio de bolso Patek Philippe- uma ode à mão de obra humana - às dificuldades da classe econômica para jantar em uma aeronave,  Umberto faz questão de nos provar que é possivel se intelectualizar lembrando que somos relés mortais. A erudição,  para ele, tinha lugar e alvo. Por isso era exigente. Não abria mão da forma. Certa vez, ao submeter o manuscrito de O nome da Rosa ao seu editor, resistiu ao pedido deste para reduzir as primeiras páginas,  sobretudo nas partes descritivas e nos fatos históricos. Umberto respondeu: "o leitor tem de pagar uma prenda para chegar ao néctar do romance, persistindo receberá a recompensa. Se não quiser, pode ir embora e procurar outra obra". O resultado foi o estupendo sucesso que prendeu o autor a interminável missão de responder à entrevistas por anos a fio, sobre O nome da Rosa. Mais ainda quando a obra ganhou roteiro e partiu para  as telas do mundo com o rosto de Sean Connery, o eterno James Bond, em 1986. Seria uma curiosa provocação com o personagem de Gulherme, um misterioso monge detetive? Umberto se dizia escravo desta obra, tanto quanto García Márquez foi de seu celebrado Cem Anos de Solidão. Se a erudição tinha um alvo, a criatividade que o autor condensava em tudo o que fazia, alcançava todos os gostos, como ele fez em Baudolino, romance em que narra em primeira pessoa as descobertas de um simples camponês que ao furtar pergaminhos em um mosteiro descreve em um latim tosco suas descobertas. Gostar de Umberto Eco, é apenas uma questão de familiarização,  porque, em algum momento ele vai encantar o mais distraído dos leitores. Segundo " il professore", os textos são máquinas preguiçosas que necessitam constantemente de interpretação.

Umberto Eco morreu aos 86 anos, em Milão, consagrado em diversas áreas, com o titulo de pensador do século,  colecionando prêmios como a Ordem Nacional da Legião de Honra, por duas vezes ( láurea honorífica instituída por Napoleão Bonaparte, na França).  Também agraciado com o Círculo de Bellas Artes, em Madri, Prêmio Médicis, Professor Convidado pela NYU ( Universidade de Nova York), Palestrante e Colaborador nas Universidades de Toronto, Harvard, Columbia e do Collège de France. Foi Diretor da Escola Superior de Ciências Humanas na Universidade de Bolonha.

Era casado com a alemã Renate Ramge, museóloga e especialista em Arte, com quem teve um casal de filhos.

Fotos
Compartilhe
Comente