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Os caminhos que uniramAnne Frank à Maria Montessori - Guia das Artes
Os caminhos que uniramAnne Frank à Maria Montessori
Os caminhos que uniramAnne Frank à Maria Montessori
inserido em 2021-06-30 19:43:56
Advogada e escritora. Carioca com coração mineiro.
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Queridos leitores,

 Para que este artigo atinja o seu objetivo primário, qual seja o de revelar-lhes a trajetória de uma grande mulher da Educação Infantil, partirei da premissa de que vocês sabem quem foi a jovem escritora-judia Anne Frank. Autora do diário mais lido no mundo, (com trinta e cinco milhões de cópias vendidas e traduzido para mais de sessenta idiomas) a menina alemã, com coração holandês, morreu pouco antes de completar dezesseis anos em Bergen-Belsen, um dos vários campos de concentração nazista. A tragédia ocorre em meio às seis milhões de mortes de judeus no Holocausto, entre os anos 1934 e 1945 sob o comando de Adolf Hitler. Décadas antes, em 1870, na cidade de Chiaravelle, Itália, nascia Maria Tecla Artemisia Montessori. Maria se destacaria como uma das maiores educadoras do século XX, pois desenvolveu um método de ensino para crianças na primeira infância, baseado em suas experiências como médica e terapeuta de pacientes com necessidades especiais. Tudo isso aconteceria após sua carreira como cirurgiã sofrer os revezes e entraves de leis italianas que proibiam mulheres de operarem corpos de homens. Mesmo assim, Maria Montessori foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina na Europa, e a primeira na Itália, no ano de 1896 pela Universidade La Sapienza. Não podendo exercer sua profissão da maneira almejada, Maria foi obrigada a refazer seus planos e verteu sua atenção para a psiquiatria, utilizando um método totalmente intuitivo para estimular crianças com comprometimento mental. É então, que nasce a pedagoga Maria Montessori. Inspirada pela forma com que as crianças brincavam nas ruas de Roma, cidade onde Maria se formou, desenvolveu métodos para captar o interesse de seus pacientes e posteriormente, devido ao grande sucesso obtido com essas crianças, estendeu seu método para as crianças sem comprometimento aparente. Este método ganhou o nome de sua inventora, Método Montessori ou Montessoriano, e consiste em permitir que a criatividade e interesse particular de cada criança oriente seu aprendizado, sob o estímulo de objetos e brincadeiras propostos de forma natural. A disciplina, teria de se adaptar primordialmente ao ritmo de cada criança equilibrando-se com a liberdade. Maria reconhecia a individualidade do aluno com seus processos particulares, sendo o primeiro passo para o desenvolvimento pessoal: chamando-os de Educação pelos Sentidos e Educação pelo Movimento. Em 1898 seu filho nasce, fruto de seu romance com o Diretor da escola em que lecionava. Porém, tanto Maria como Giuseppe Montesano haviam decidido viver um relacionamento livre e, portanto, não se casaram. Para a sociedade italiana rigidamente católica, o nascimento de uma criança fora do matrimônio nos moldes da Igreja, torna-se uma ameaça à carreira de Maria. É então que ela toma a difícil decisão de deixar seu filho no campo, sendo criado por uma família camponesa. Mãe e filho só teriam o prazer de viverem juntos quando o menino alcançasse a adolescência. Se na vida pessoal Montessori atravessava uma fase dolorosa, profissionalmente mergulhava na missão de transformar a Educação Infantil da Itália, sem imaginar, contudo, que este desejo atravessaria fronteiras.

 O sucesso das descobertas de Maria Montessori chamou a atenção do mundo, alçando-a à figura pública assim que seu primeiro livro; Método Montessori foi traduzido para o idioma inglês. A comunidade internacional estava curiosa quanto ao funcionamento da Casa dei Bambini (Casa das Crianças), instituição fundada pela pedagoga. Infelizmente, a Europa enfrentaria em poucos anos a Primeira Grande Guerra e anos depois o mais doloroso período desde a Idade Média: o crescimento de discursos intolerantes e segregacionistas como os do austríaco Adolf Hitler e do italiano Benito Mussolini. Em princípio o líder italiano mostrou extremo interesse e apoio ao método  montessoriano, talvez depois de descobrir que nos EUA, já no ano de 1913, havia nada menos que 100 escolas montessorianas. Mussolini quis desfrutar deste sucesso, imaginando que a disciplina e bom funcionamento das escolas formariam cidadãos dispostos a trabalhar por sua causa política. Distanciando o método de Maria em favor do controle das massas, e consequentemente desumanizando o ensino, Mussolini tornou-se uma ameaça para Maria Montessori, culminando assim com a partida da pedagoga, psicóloga e antropóloga de sua terra natal.

 Neste triste momento em que Maria se exila na Espanha com seu filho, torna-se, simultaneamente, um modelo de pedagoga em toda a Europa, Estados Unidos, Argentina, e inspiração para professores das Filipinas, Japão, Ilhas do Pacífico e outros. A Holanda não fica de fora, e em 1926 Maria ministra um curso de quatro meses para a fundação de sua primeira escola em Amsterdã. Esta será uma das escolas montessorianas, sendo modelo para a sexta delas, onde a menina Anne Frank e sua irmã Margot estudariam. Assim como a criadora do método copiado no mundo todo, Otto Frank e Edith Frank não viviam mais em sua terra natal; a Alemanha. Fugindo da perseguição do Partido Social-Nacionalista contra os judeus, a família Frank se muda para a Holanda em 1933 quando Anne tinha pouco mais de 3 anos de idade. É matriculada na Escola Montessori e lá permanece até os onze anos. A escolha de seus pais ocorre devido ao fato de, já na Alemanha, alimentarem a ideia de proporcionar um ensino diferenciado às filhas. Em seu Diário, publicado em 1947, portanto, dois anos após a morte de Anne e de sua irmã no campo de Bergen-Belsen (vítimas de tifo e desnutrição), é possível notar a tristeza de Anne devido a proibição de continuar seus estudos em sua amada escola. Por conta da perseguição nazista, os alunos judeus só podiam frequentar escolas judaicas o que impediu que Anne, após as férias escolares, retornasse para sua rotina na Escola Montessori. Anne Frank era uma escritora, inegavelmente criativa, perspicaz, amigável e sociável. É muito provável que a mulher cujo método revolucionou o sistema de ensino, tenha proporcionado a ela a liberdade de pensamento que o cérebro humano requer para frutificar.

 Após viajar por todo o planeta difundido suas descobertas sobre a biologia, psicologia, antropologia e demais ciências aplicáveis aos seres humanos, na companhia de seu único filho Mário, é na Holanda que Maria Montessori falece. Sepultada em um cemitério de crianças, em 1952. A amada terra de Anne Frank, a menina símbolo contra a intolerância religiosa e uma das escritoras mais lidas do século XX, foi também a terra de Maria Montessori. Segundo ela, dentre todas as láureas, seu título mais desejado foi a de Cidadã do Mundo.

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