O Preconceito Contra a Arte Brasileira – Uma Resposta à Crítica do The Observer
No último dia 2 de fevereiro, o jornal britânico The Observer publicou uma crítica severa à exposição Brasil! Brasil! O Nascimento do Modernismo, em cartaz na Royal Academy de Londres. O artigo, assinado por Laura Cummings, descreveu a arte brasileira como "bafflingly weak" (incrivelmente fraca), além de demonstrar um completo desconhecimento sobre a história e a produção artística do Brasil.
A crítica provocou indignação no meio artístico e cultural, e um dos principais nomes a responder foi João Candido Portinari, filho de Candido Portinari e fundador do Projeto Portinari. Em um artigo contundente publicado no UOL, ele rebateu as declarações da jornalista, destacando a importância e a relevância dos artistas brasileiros no cenário internacional.
Mas essa postura depreciativa em relação à arte brasileira não é novidade. Desde o século passado, críticos europeus têm olhado com desdém para nossa produção artística, ignorando conquistas e a potência criativa de nomes como Tarsila do Amaral, Lasar Segall e o próprio Portinari. Vamos analisar esse episódio e entender por que a crítica de Cummings é tão equivocada e carregada de preconceito.
A História Se Repetindo: O Preconceito Contra a Arte Brasileira
A postura de Laura Cummings lembra muito a de Sir Sacheverell Sitwell, crítico de arte britânico que, em 1944, fez comentários condescendentes ao apresentar a Exposição de Pinturas Brasileiras Modernas na própria Royal Academy de Londres. Na ocasião, mesmo elogiando a intenção dos artistas brasileiros de contribuírem para o esforço de guerra britânico, ele deixou claro que considerava a produção artística do Brasil inferior à europeia.
Agora, em 2024, a história se repete. Cummings não apenas menosprezou a exposição como um todo, mas também atacou diretamente a qualidade de artistas renomados. Sobre Lasar Segall, escreveu que sua obra era "terrível". Já sobre Tarsila do Amaral, lamentou ter visto uma de suas telas na mostra.
Mas o ponto mais grave da crítica foi a forma superficial e arrogante com que ela questionou a curadoria da exposição e a própria relevância da arte brasileira. Para ela, os trabalhos apresentados eram apenas uma "estranha mistura de pastiches fracamente adaptados do modernismo europeu, realismo socialista grosseiro e súbitos lampejos de originalidade".
Essa visão eurocêntrica ignora o fato de que o modernismo brasileiro, ainda que influenciado por movimentos europeus, desenvolveu uma linguagem única, adaptada à nossa realidade social, cultural e política.
Portinari e a Resposta à Altura
João Candido Portinari, profundo conhecedor da obra de seu pai, respondeu à crítica com uma série de argumentos que desmontam as alegações de Cummings. Ele ressaltou que, se a jornalista realmente quisesse entender a importância de Candido Portinari, poderia ter citado alguns fatos inquestionáveis:
Portinari foi o artista brasileiro mais reconhecido internacionalmente em sua época, realizando uma exposição individual no MoMA de Nova York em 1940, prestigiada por figuras como Nelson Rockefeller e Eleanor Roosevelt.
Ele recebeu a Légion d’Honneur do governo francês em 1946, após uma exposição de sucesso em Paris.
Seus afrescos decoram a Biblioteca do Congresso nos Estados Unidos desde 1941.
Seus murais Guerra e Paz, instalados na sede da ONU em 1957, foram declarados pelo então secretário-geral Dag Hammarskjöld como "as mais importantes obras de arte doadas à ONU".
Diante disso, a pergunta que fica é: como alguém com esse nível de reconhecimento pode ser considerado um artista de menor relevância?
A Arte Brasileira no Mundo: Respeito e Reconhecimento
A crítica do The Observer não se limita apenas à ignorância sobre a história da arte brasileira, mas também reflete um preconceito mais amplo contra a produção artística de países fora do eixo Europa-Estados Unidos.
Esse tipo de visão reforça um estereótipo ultrapassado de que apenas as produções artísticas ocidentais possuem valor. No entanto, artistas brasileiros seguem ganhando cada vez mais espaço e reconhecimento internacional:
Tarsila do Amaral teve uma grande retrospectiva no MoMA em 2018, consolidando-se como uma das artistas mais importantes do modernismo global.
Adriana Varejão e Beatriz Milhazes estão entre os artistas contemporâneos mais valorizados no mercado internacional.
Hélio Oiticica e Lygia Clark são amplamente estudados e expostos em museus renomados pelo mundo.
O que fica claro é que a arte brasileira não precisa da validação de críticos estrangeiros para afirmar sua importância. A riqueza cultural, a inovação estética e a profundidade de nossas obras falam por si mesmas.
Conclusão
O episódio envolvendo a crítica de Laura Cummings é um lembrete de que a arte brasileira ainda enfrenta barreiras para ser plenamente reconhecida no cenário internacional. No entanto, isso não diminui sua relevância ou impacto.
A resposta de João Candido Portinari não apenas defendeu a memória de seu pai, mas também reafirmou o valor de toda uma geração de artistas que ajudaram a construir a identidade visual do Brasil.
O preconceito contra a arte brasileira pode persistir em alguns círculos, mas felizmente, o mundo da arte está cada vez mais aberto à diversidade e às narrativas vindas do Sul Global.
A pergunta que fica é: por que ainda precisamos provar nossa legitimidade para um olhar europeu? Talvez, em vez de tentarmos nos encaixar nos padrões impostos por esses críticos, devêssemos seguir valorizando nossa própria história, com orgulho e autonomia.