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O feminismo se chama Brontë - Guia das Artes
O feminismo se chama Brontë
O feminismo se chama Brontë
inserido em 2017-09-29 13:44:55
Advogada e escritora. Carioca com coração mineiro.
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Tenha em mente o seguinte: o talento é um gênio cuidadoso que requer   constancia e uma dose de obstinação. Penso que no caso das Irmãs Brontë, o talento , comum a todas elas, pressuposto natural para um almejando conhecimento, dependeu da obstinação de Charlotte.A  feliz coincidência de  três engenhosas literatas numa mesma família, sendo que tal circunstância ocorreu na Era Vitoriana, é um fato que surpreende o mercado editorial. Une-se a isso o cenário; no interior da Inglaterra, onde a maioria das moças dotadas de uma boa  condição financeira ou de uma beleza razoável, estavam fadadas ao destino “louvável” de contrair um bom casamento.  Mas  ao que tudo indica, não foi o futuro sonhado pelas filhas de um jovem casal formado pelo vigário do Condado de Yorkshire, Patrick Brontë e  uma linda moça, de família de comerciantes, Maria Branwell.

  Registros mostram que a mãe das irmãs escritoras, morreu muito cedo deixando o marido viúvo com seis filhos: Maria e Elizabeth que morreriam pouco tempo depois, ainda crianças, Charlotte ( 1816-1855), Patrick (1817-1848), Emily ( 1818-1848) e Anne (1820 -1849). Se você for um leitor atento e sem desafetos à matemática, notará que nenhum dos filhos desse belo casal, gozou de longevidade. No entanto, a curta trajetória da prole de Patrick, também autor de poemas religiosos e filosóficos, foi tempo suficiente para marcar a literatura do século XIX e das gerações vindouras.

 Nascidas numa sociedade essencialmente patriarcal, tiveram a oportunidade de estudar; primeiro em colégios internos onde enfrentaram maus-tratos e humilhações, além da febre tifoide e da tuberculose ( doenças muito comuns nesta época). Esses elementos foram trazidos em contornos cruéis no aclamado Jane Eyre, de Charlotte. Apesar das parcas economias da família, Charlotte e Emily frequentaram  o famoso Pensionato Héger, em Bruxelas, dirigido pelo professor ConstantinHéger. Os poemas e ensaios da tímida Emily foram elogiados por seu professor,  no que se considerou, à  época,um grande reconhecimento: “...Ela deveria ter nascido homem – um grande navegador, sua inteligência poderosa poderia ter produzido novas esferas de descoberta...”A princípio, para nós mulheres ocidentais do século XXI o elogioso comentário de Héger, soa  preconceituoso e machista traduzindo o senso comum da época. Contudo, contextualizem isso ao cenário social em que o intelecto das mulheres não podia ultrapassar a fronteira dos poemas pueris.

Para pagar a escola belga, Charlotte e Emily, lecionavam na instituição e foram convidadas para integrar o corpo docente permanentemente, mas tiveram que regressar à Inglaterra. A natureza reclusa da autora de O morro dos Ventos Uivantes, preferia o aconchego do lar e,  de acordo com relatos, passava horas calada, observando tudo e todos, beirando à misantropia. Enquanto a expansiva e audaciosa Charlotte, certamente, se pudesse, viveria mais tempo na Bélgica ou em qualquer lugar que a permitisse ascender.

Assim, restou a essas moças de veia literária tão profícua, dar continuidade aos estudos por conta própria. As irmãs nutriram o sonho de fundar uma escola, na cidade em que moravam com a família, em Haworth.O sonho se realizou, mas logo chegou a termo por falta de alunos. Ao que parece, vivia dentro do pensamento arguto de Charlotte o sonho de se tornar escritora e foi ela, que por acidente, descobriu os poemas maravilhosos de Emily. Foi difícil convencer a irmã a publicar seus poemas enquanto ela própria, Charlotte, já pensava em submeter seus trabalhos às editoras inglesas. Anne, a caçula, também confeccionava poemas e foi o compêndio desses trabalhos que deu origem a primeira investida editorial. A cronologia do sucesso das irmãs Brontë se deu de forma curiosa: o livro de poemas  escrito pelo trio, inicialmente custeado por elas,  não rendia o esperado. Charlotte remeteu seu romance O Professor para o editor da Smith, Elder &Co., mas foi questionada se havia algo mais a apresentar. Assim, enquanto Emily e seu Morro dos Ventos Uivantes e Anne, com Agnes Grey, já tinham garantido publicações, o entusiasmo de Charlotte a fez terminar seu Jane Ayre. E como tudo no universo literário obedece às leis próprias do sucesso, foi justamente a obra Jane Eyre, com seu sucesso estrondoso que permitiu visibilidade aos romances das outras irmãs. Até este momento, todas as três, mantinham seus pseudônimos masculinos com o fito de garantir a aceitação de seus trabalhos no mercado editorial. Sinto uma espécie de júbilo ao notar que a perspicácia de três moças simples, do interior da Inglaterra e dotadas de muitos talentos, transformou o mercado editorial e abriu as portas para tantas outras mulheres de sua época.

 A partir daí, tudo convergiu para cravar na história o sobrenome Brontë.

O Morro dos Ventos Uivantes, obra única de Emily, publicado em 1847,foi traduzido para sessenta e um diferentes idiomas,eternizado nos cinemas após,nada mais nada menos, do que nove longa metragens, entre os anos de 1920 e 2011, sendo o mais famoso o de 1939 estrelado por Lawrence Olivier. Também foi adaptado para Óperas, destacando a  composta por Bernard Hermam. Inspirou séries e peças teatrais. A escrita contundente e eletrizante, da autora, marcou uma época em que os romances possuíam uma fôrma onde personagens virtuosos lutavam contra dilemas sociais. Emily, ao contrário, evoca o poder das transformações no caráter de quem se submete a rejeições e humilhações. A degradação dos personagens é inesperada e chocante para os parâmetros da época. É possível que essa surpreendente estética tenha tornado sua obra tão aclamada. Emily era tímida, mas extremamente ousada na arte. Jane Eyre, de Charlotte Brontë, após a publicação em 1847,  não ficou atrás, sendo reeditado e publicado em mais de sessenta idiomas e trazido para as telas, em Vinte e uma diferentes adaptações, oito do cinema mudo e treze do cinema falado! Depois Villette, de 1856, seu romance notadamente autobiográfico é, segundo a crítica literária, seu trabalho exponencial  e foi,tanto quanto os outros, trazido para diferentes áreas da arte: Teatro, televisão, ballet e cinema. Finalmente, Anne, a caçula na mesma época das irmãs, foi publicada com Agnes Grey, grande sucesso que antecedeu o aclamado The TenantoftheWildfell Hall, esgotado no prazo recorde de seis semanas. Igualmente reproduzida para diferentes seguimentos artísticos, a obra de Anne Brontëocupa o arauto da literatura inglesa.

 Afeto-me  profundamente pelo papel que as Irmãs Brontëtiveram em defesa de um direito muito sagrado: o da igualdade. Influenciadas pelo espírito artístico que residia nitidamente no DNA da família Brontë ( o irmão Patrick Branwell também escrevia e pintava), Emily, Charlotte e Anne, advogaram em favor de mulheres que nutriam o mesmo desejo que elas; o de obter reconhecimento através de capacidades literárias, provando que o talento para as artes não possui protocolo.

 

irmãs brontë pintura

 Irmãs Brontë - Autoria Patrick Branwell (Irmão).

 

Museum da personage Brontë

Brontë Parsonage Museum (Museu da Parsonage de Brontë) em Haworth.

https://www.Brontë.org.uk/visit-us

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