Respiro fundo.
De olhos fechados imagino Isabel, vestida com roupas confortáveis e colares étnicos. Ela me parece bem orgânica, não só na escrita como na fala e no estilo que escolheu para se apresentar ao mundo.
Este é o meu nono artigo para a coluna Arte e Literatura, do charmoso site Guia das Artes. Pergunto-me o porquê de ter demorado tanto para falar de Isabel Allende, a minha preferida. Imagino que isto tenha uma raiz: o amor. Já pararam para pensar que nem sempre estamos aptos a escrever sobre nossos amores? Deixando a pieguice de lado, é claro.
Mas Isabel transcende essa limitação e nos carrega mundo a fora pelos olhos, melhor, pela pele de seus personagens.
Falar de Isabel Allende requer zelo e um senso de justiça no universo cujo valor para mim é inestimável: a literatura. Não se arrisque a lê-la se o teu coração prefere as águas rasas, muito menos se as histórias reais a ti forem indigestas, depois de desnudadas. Isabel vai levá-lo (a) às lágrimas, mas antes disso é capaz de carregar alguns risos e reflexões que deixamos escapar com o medo de nos doarmos às outras perspectivas.
Embora tenha nascido em Lima, no Peru, em 2 de Agosto de 1942, Isabel Allende tem cidadania chilena e norte-americana. É jornalista por formação e escreveu seu primeiro romance; A Casa dos Espíritos, em 1982, aos 40 anos. Considerado uma joia da literatura latino-americana, o livro conta a história da família de Isabel e atravessa três gerações; até serem atingidas pelo período negro da ditadura chilena, que culminou com a deposição do tio-avô de Isabel, Salvador Allende, em 1973. Foi através das folhas do diário de sua avó, que Isabel dedicou-se à sua Magnum Opus. E após ser mordida pelo vício da escrita ficcional, não parou por aí. A Casa dos Espíritos não foi o único livro em que desnuda não só seus antepassados, como a si mesma. Anos depois repetiu essa experiência, no relato da morte de sua filha Paula, no livro homônimo. Este foi um dos poucos livros de Isabel que ainda não li. Dizem que é o mais corajoso deles, pois revela para o leitor a parte mais dolorosa de sua experiência como mãe: ao cuidar de Paula, no leito de morte, Isabel se deixa julgar pelo leitor confessando que abriu mão de seus filhos e ex-marido, para viver um grande amor. Pois é...
Essa é apenas uma esquina de Isabel. Para passear em suas largas e arborizadas avenidas, sugiro que mergulhe em Zarité, romance onde conta os horrores da colonização do Haiti pelas mãos perversas dos franceses e espanhóis. Se preferir um drama da vida moderna, onde uma avó luta para tirar sua neta do mundo das drogas, vá para O caderno de Maya. Mas se gostar de um bom triller, corra para o Jogo do Ripper. No entanto nunca, nunca julgue o talento literário de Isabel sem antes ler, A casa dos Espíritos. Isabel está toda ali.
Certamente não só na ficção, como também na vida real, o jeito Isabel Allende de ser, surpreende sempre que pode. Recentemente, ao romper seu casamento de 27 anos com o também escritor Willie Gordon , a chilena revelou-se apaixona novamente. E disse que jamais imaginaria possível algo assim, no auge de seus 74 anos. Em Jardim de Inverno, um de seus últimos trabalhos, ela mostra que a idade não existe para aqueles que acreditam no amor e conta, a história de três personagens com personalidades, nacionalidades e dramas pessoais muito distintos. Podemos dizer que há em Lúcia, umas dessas personagens, uma Isabel autobiográfica e, se assim o for, saberemos que Isabel é o tipo de pessoa que ri de si mesma.
Não sei quanto a vocês, mas essas pessoas são as minhas preferidas.
A Casa dos Espíritos, depois de vender milhões de cópias ao redor do mundo, foi adaptada para o cinema, com ninguém menos do que Meryl Streep no papel de Clara ( avó de Isabel), Jeremy Irons ( como Estevão Trueba), e Antônio Bandeiras ( encenando o papel do líder revolucionário). Além disso, Isabel já escreveu peças teatrais, contos e memórias. É celebrada não apenas no Chile, seu país, mas também nos Estados Unidos onde reside há mais de três décadas e do qual é cidadã. Ao redor do mundo foi vendida para mais de 70 milhões de pessoas e traduzida para 35 países, agraciada com mais de 60 prêmios em 15 países. Já foi adaptada para óperas e musicais e está, neste momento, se dedicando ao seu mais novo trabalho.
Não preciso lê-lo para acreditar em seu valor emocional e literário.
Leiam Isabel Allende!