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Como Tito de Alencastro se tornou um pintor - Guia das Artes
Como Tito de Alencastro se tornou um pintor
Como Tito de Alencastro se tornou um pintor
inserido em 2021-06-04 19:27:25
Colunista: Enock Sacramento
Membro das Associações Paulista, Brasileira e Internacional de Críticos de Arte
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Quando José Tito Regis de Alencastro (1934-1999) nasceu, no dia 5 de julho, na Avenida 13 de Maio, 70, bairro Marechal Hermes, Rio de Janeiro, sua tia Lydwine registrou no seu Livro do Bebê o prognóstico: Vai ser “Oficial do Exército”.

 Com efeito, salvo seu pai, Oswaldo Salazar Regis de Alencastro, médico, todos os varões da família, desde os vindos da Inglaterra, via Portugal, até seu avô paterno Tito Regis de Alencastro, General de Engenharia do Exército Brasileiro, foram militares de carreira.

 Afirmou-me Tito, em 1990, em sua casa da Rua Frei Caneca, em São Paulo: "Nos Lusíadas, de Camões, há uma referência ao mais antigo Alencastro que conheço. O poeta aportuguesou o nome do Duque de Lancaster para Alencastro para rimar com Inês de Castro, de quem foi advogado". Tito adorava uma trouvaille.

 Frequentando a melhor sociedade carioca da época, seus antepassados cultivavam o hábito de ir ao Teatro Municipal, ao Museu Nacional de Belas Artes, ao Teatro João Caetano e de realizar seus próprios saraus literários e musicais, principalmente na grande casa de sua tia-avó Maria Luíza Mendes de Moraes (Lulu), situada na Rua Dois de Dezembro, no bairro de Laranjeiras. No casarão, que pertencera a seu bisavô paterno Miguel de Oliveira Salazar, Lulu recebia parentes e amigos, principalmente em festas de aniversário e nos fins de semana.  Tito não perdia estes saraus que reuniam artistas diletantes da família e militares amigos e que se prolongavam noite adentro.  Foi neles que Tito começou a cantar Brahms e ouviu os primeiros dedilhados do futuro "gênio da família", o pianista Arthur Moreira Lima, seu primo, que começou a estudar piano aos seis anos e, aos nove, já tocava um Concerto de Mozart com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Estava decidido: Tito seria cantor lírico, por vontade do pai.

 Tito estudou canto lírico com Pasquale Gambardella, participou de recitais de música de câmara no Automóvel Clube, de espetáculos de música napolitana na Casa d’Itália e de apresentações operísticas no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

 Paralelamente, em 1948, quando ele tinha 14 anos de idade, sua mãe presenteou-o com pincéis, tintas e uma pequena tela. Queria que ele pintasse a entrada do Forte de Copacabana. "Eu não sabia por onde começar.  Pensava em utilizar uma régua para fazer o prédio. Ele tinha um cinza que eu não sabia fazer. Foi minha mãe, que não entendia nada de pintura, que me orientou. Percebi o quanto era diferente o pintar do desenhar."

 Este foi o primeiro óleo sobre tela de Tito, que antes pintara alguma coisa, mas sem preocupação de fazer uma pintura convencional. Tinha pintado sobre vidros de relógio, tampas de caixas e até sobre um osso. Mas estes trabalhos passaram quase desapercebidos aos olhos de seu pai, que o antevia como um grande cantor lírico, com uma voz de barítono de grande extensão.

 Enquanto o pai procurava encaminhar o filho pelos caminhos da música erudita, Tito aproximava-se das artes visuais, estimulado pela mãe. Na dúvida entre o canto e a pintura, ele chegou a pensar em tornar-se arquiteto, advogado, regente de orquestra.

 Mas, paradoxalmente, seu pai contribuiu, e muito, embora sem querer, para sua opção pelas artes visuais. Como membro do Partido Comunista Brasileiro, seu pai, Dr. Oswaldo, que chegou a atender Luiz Carlos Prestes como médico, aproximou-se do pintor Cândido Portinari, militante do PCB, e de seu assistente, o também pintor José Moraes. No início da década de 50, Moraes presenteou seu pai com um "Vaso de Flores", uma pintura que sinalizava influência cezanneana. O quadro levou o jovem Tito ao êxtase, com a mesa rebatida, as flores apenas sugeridas, seu colorido. Através de Moraes, Tito conheceu Portinari, que o impressionou profundamente.

 "Mas foi acompanhando minha mãe ao ateliê de José Moraes, que fazia seu retrato, que a revelação se deu. Ver surgir na tela a obra, sentir o cheiro, diria melhor, o perfume das tintas, maravilhou-me de tal forma, foi tão forte que senti, como deve acontecer aos místicos, a minha verdadeira vocação. Intuí que tudo o mais que eu havia feito ou aprendido poderia ser usado, transformado em algo meu por intermédio de linhas e de cores. Que eu poderia sensibilizar as pessoas criando algo que jamais existira e que vivia dentro de mim”.

 A opção estava feita: Tito seria artista plástico, por vontade própria.

 

Enock Sacramento é crítico e curador de arte, autor do livro Tito de Alencastro, inédito.

Nota: Entre os artistas que se beneficiaram com as alterações do mercado de arte observadas nos últimos meses figura o nome de Tito de Alencastro. Sua obra valorizou-se.

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