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Assim falou Lou Salomé - Guia das Artes
Assim falou Lou Salomé
Assim falou Lou Salomé
inserido em 2020-08-31 15:02:33
Advogada e escritora. Carioca com coração mineiro.
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  Talvez você não tenha se dado conta, mas na Europa do final do século XIX para o século XX, transitavam as mentes mais geniais das quais ouvimos falar no século XXI. Nós não só ouvimos falar, mas absorvemos suas percepções - até então desconhecidas -, as implementamos e, não muito raro, traçamos uma vida sob certos moldes por elas inventados. Ou você nunca usou a expressão “relação freudiana”, “complexo de Édipo” ( todas provenientes da psicanálise e teorias desenvolvidas por Sigmund Freud). Além disso, é muito possível que tenha usado a frase: Assim falava Zaratustra, apenas para completar uma fala de alguém que foi fundo em um pensamento com o qual as pessoas não estão familiarizadas. Você não sabe quem foi Zaratustra, nem do que ele falava, mas acha o nome interessante e por isso repete como forma de mostrar que sua cultura passou ao redor, mas não mergulhou nas ideias de Nietzsche.

 Foi nesta fase profícua da cultura mundial, que nasceu uma musa da qual pouco ouvimos falar. Alguém que, não apenas transitou entre essas grandes mentes, mas as inspirou e as provocou a ponto de admitirem sua influência em suas obras. Seu nome era Lou Andreas – Salomé. Nascida em 12 de fevereiro de 1866, em São Petersburgo, de uma família russo-alemã, Lou interessou-se desde cedo por teologia, filosofia, literatura mundial. Sua mente ávida para entender o mundo em que vivia, questionou os dogmas do protestantismo ao qual foi inserida na mais tenra infância, o que a fez se mudar para Zurique, na Suíça, na companhia de sua mãe e frequentar a universidade. Tal mudança ocorre após a morte de seu amado pai, provocando em Lou uma busca na literatura de Kant e Spinoza, pela razão honrosa da morte. Nascia então uma psicanalista, ensaísta, filósofa, poeta e escritora, com uma personalidade forte e atraente, cujo pensamento bailava nas rodas intelectualizadas do império russo e alemão, em uma época em que pensar e escrever na Europa era como nadar no Lago Ness, numa tarde idílica de primavera, sem ter a menor noção da criatura que adormecia nas profundezas.

  Pode-se dizer que foi em uma viagem para Itália, que Lou Salomé definiu como gostaria de ser lembrada. Conheceu Paul Rée, em Roma, num salão literário, formando com ele uma parceria. Paul era médico, filósofo, escritor e filantropo alemão e a apresentou, logo depois, ao seu amigo Friedrich Nietzsche. É então que os três formam um trio sui generis. A empatia espiritual e intelectiva entre os três sugere, além de trabalhos comuns, uma relação amorosa de Lou com os dois. Na Itália, os três arquitetam nada menos do que uma comunidade onde fundariam um novo modelo de sociedade. O projeto, não se sabe bem o porquê, não vai para além do plano das ideias e morre na própria Itália. O que não se pode dizer, porém, ter ocorrido na mente de Nietzsche, que, mesmo não fazendo mais parte do trio, quando Lou e Paul vão para a Alemanha viver juntos, afirma, categoricamente a influência dos pensamentos de Lou em sua aclamada obra: Assim falou Zaratustra. Talvez a mente analítica de Lou tenha considerado piegas a frase de Nietzsche, quando a conheceu: “De quais estrelas caímos para nos encontrarmos aqui?”.

 No entanto, se Nietzsche - com sua ironia e aforismos para defender a ideia de afirmação da vida - não conseguiu prender sua musa inspiradora, Paul Rée, com quem Lou viveu amigavelmente por cinco anos, também não teria sido o seu “escolhido”. Foi Friedrich Carl Andreas, linguista, quem conseguiu levá-la a assumir um matrimônio. Mesmo assim, ao longo da união que durou 42 anos, a psicanalista se relacionou abertamente com outros nomes expoentes como o poeta alemão Rainer Rilke, quatorze anos mais jovem, Sigmund Freud e Viktor Tausk. Freud, inclusive, menciona o nome de Lou em várias cartas, e fala de seus posicionamentos e teorias com outros intelectuais. Com o poeta Rilke, Lou transcende a barreira homem-mulher e se torna, até o fim de seus dias, sua conselheira e amiga. Foi com ela que Rilke aprendeu o idioma russo para ler Tolstói, quem ambos conhecem logo em seguida.

 É bem possível que Lou Salomé tenha inspirado Hannah Arendt, filósofa e cientista política, alemã, de origem judaica, ativista do movimento sionista. Hanna nasceu em 1906, em Linden, quando o nome e a influência de Lou Salomé já eram assumidamente relevantes para a comunidade de pensadores no Continente.

Lou trabalha como psicanalista até os 74 anos, quando seu coração começa a exigir mais de sua atenção. Poucos dias antes de sua morte, em 5 de Fevereiro de 1937, sua biblioteca é confiscada pela Gestapo. Se Lou teve uma sorte em sua vida, penso eu, foi não ter vivido para testemunhar Adolf Hitler destruir o Continente onde ela alicerçou seu pensamento, na companhia de outras mentes brilhantes.

 

Bibliografia

Em português, as obras traduzidas de Lou Salomé foram:

Nietzsche em suas Obras

Reflexões sobre o problema do Amor e O Erotismo

'O erotismo' seguido de 'Reflexões sobre o problema do amor'

Minha Vida

Eros

Carta Aberta a Freud

No entanto, há muito mais do que estes títulos em sua bibliografia que a consagrou como uma das maiores intelectuais do século XIX.

 

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