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Amazonas
inserido em 2025-11-03 13:34:10
Estudante de história e redator do Guia das Artes.
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Em Estado de Arte: Amazonas

Ao longo da vasta e fascinante história da arte brasileira, embarcaremos juntos em uma jornada rica, profunda e repleta de descobertas. Será uma verdadeira expedição cultural, um mergulho atento e detalhado nas inúmeras manifestações artísticas que floresceram — e ainda florescem — nos quatro cantos deste imenso e diverso país chamado Brasil.

Nosso percurso será meticuloso e revelador: exploraremos os principais movimentos artísticos de cada estado da federação, analisando suas origens, características, influências, transformações e impactos ao longo do tempo. Vamos olhar com carinho e atenção para a trajetória da arte em cada região, respeitando suas particularidades históricas, culturais e sociais, e compreendendo como cada uma contribuiu de forma singular para a formação do panorama artístico nacional. Bem vindos mais uma vez a Em Estado de Arte: Amazonas.

Por Paulo Lorenzo Villela

Entre selva e metrópole: o Amazonas como território artístico

O Amazonas é o maior estado da federação, situado na região norte. Recebe seu nome do rio Amazonas, o maior em vazão de água no planeta, e segundo maior em extensão, perdendo apenas para o rio Nilo. Conhecido originalmente pelos colonizadores como Marañon (nome que ainda é usado no Peru), recebeu seu icônico novo nome em homenagem às guerreiras amazônicas da mitologia grega, após o explorador espanhol Francisco de Orellana e sua expedição serem atacados por uma suposta “tribo de mulheres guerreiras”. 

Analisar o Amazonas como um território artístico implica reconhecer uma complexidade que transcende a mera delimitação geográfica. Trata-se de um espaço onde a produção humana está intrinsecamente ligada a um bioma superlativo e a processos históricos de profunda fratura e resiliência. A história da arte no estado não é uma narrativa linear, mas um palimpsesto de manifestações rupestres, sabedorias indígenas ancestrais, intervenções missionárias, o fausto do ecletismo europeu importado e, finalmente, a gênese de uma modernidade genuinamente local.

Matrizes Primevas: Arte Rupestre e a Estética Indígena

Qualquer análise séria sobre a arte amazonense deve iniciar muito antes da chegada dos colonizadores. O território abriga notáveis sítios arqueológicos com registros rupestres, como os petróglifos encontrados nos arredores do Rio Negro e em lajes rochosas como as de Balbina. Essas gravuras, de motivos geométricos e antropomorfos, representam o primeiro e mais duradouro testemunho da expressão simbólica humana na região (PEREIRA, 2011).

Paralelamente a essa arqueologia, florescem as "artes vivas" dos povos originários. A estética indígena, notadamente das famílias Tukano, Aruaque e Yanomami, constitui o alicerce cultural do estado. Esta produção não se separa da vida cotidiana, manifestando-se em artefatos de complexa fatura: a cerâmica ritual, a rigorosa cestaria dos Baniwa (que funciona como linguagem cosmológica), a arte plumária e a pintura corporal, que utiliza pigmentos como urucum e jenipapo como códigos sociais e formas de proteção espiritual (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2020).

O Fausto Europeu: O Ciclo da Borracha e o Ecletismo

A história da arte amazonense sofre uma violenta inflexão com o Ciclo da Borracha (c. 1879-1912). Manaus, elevada à categoria de "Paris dos Trópicos", tornou-se um enclave de riqueza que demandava símbolos de status e progresso. A arte produzida neste período, contudo, não era do Amazonas, mas no Amazonas.

O símbolo máximo desse período é o Teatro Amazonas (1896). Sua arquitetura eclética e materiais importados são um testemunho desse desejo de importação cultural. Artisticamente, o destaque central é a pintura do teto da sala de espetáculos, "A Glorificação das Artes na Amazônia", de autoria do italiano Domenico de Angelis. A obra é um exemplo canônico do Academicismo europeu, ironicamente representando alegorias clássicas sem conexão com a realidade local (SILVA, 2010).

A Gênese da Modernidade: O Clube da Madrugada

Por décadas, a produção artística local permaneceu dividida entre a persistência da cultura indígena e a imitação dos modelos europeus. A ruptura e a fundação de uma arte genuinamente moderna e "amazônida" ocorrem em 22 de novembro de 1954, com a fundação do Clube da Madrugada.

Este movimento, congregando escritores, poetas e artistas visuais, foi a resposta local ao modernismo que varria o país. Como descrito na publicação "A Arte no Amazonas" (CONCULTURA, 2016), o Clube da Madrugada foi um divisor de águas. Nas artes plásticas, seus membros buscaram ativamente uma linguagem que, embora informada pelas vanguardas, mergulhasse nas temáticas, cores e formas da Amazônia.

Nomes como Moacir de Andrade, Hahnemann Bacelar, Anísio Mello e Manoel Borges tornaram-se pilares dessa nova estética. Eles abandonaram a representação meramente folclórica para buscar a essência da paisagem, do misticismo caboclo e da vida urbana de Manaus, fundando efetivamente a pintura moderna no estado (ITAÚ CULTURAL, 2024).

Arte Contemporânea: Diálogos e Institucionalização

O legado do Clube da Madrugada pavimentou o caminho para as gerações seguintes. A partir dos anos 1970 e 1980, a produção artística se diversifica, impulsionada pela criação de espaços institucionais, como a Pinacoteca do Estado e, posteriormente, o Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro. A própria Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (AMAZONAS, 2025) passa a atuar como um agente fomentador, essencial para a manutenção de espaços como o Centro Cultural Palácio Rio Negro e a Galeria do Largo.

Artistas contemporâneos como Otoni Mesquita e Sérgio Cardoso aprofundaram a pesquisa de linguagem, enquanto uma nova geração explora mídias diversas. Um exemplo é a obra de Jandr Reis, cuja mostra "Jaraquiart" (2025) promove um diálogo direto entre a arte visual e os cenários urbanos da capital, demonstrando uma arte que reflete sobre sua própria identidade e contexto (CULTURADOAM, 2025).

Encerramento: A Singularidade do Território Artístico

A arte contemporânea no Amazonas hoje é um campo vibrante, onde a herança ancestral indígena, as cicatrizes da "Belle Époque" e a afirmação modernista do Clube da Madrugada dialogam em um território que, mais do que nunca, se afirma como um centro de produção artística singular e potente no panorama brasileiro.

Referências

AMAZONAS. Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa ⠳ Sec. Governo do Estado do Amazonas. Sobre a Secretaria. Disponível em: https://cultura.am.gov.br/sobre-a-secretaria. Acesso em: 02 out. 2025.

CONCULTURA. A Arte no Amazonas. Manaus: Fundo Municipal de Cultura/Concultura, 2016. 242 p. Disponível em: https://concultura.manaus.am.gov.br/wp-content/uploads/2017/10/A-arte-no-Amazonas.pdf. Acesso em: 02 out. 2025.

CULTURADOAM. Governo do Estado do Amazonas. A arte visual interage com a cenários amazônicos na mostra Jaraquiart de Jandr Reis. Publicado em 14 out. 2025. Disponível em: https://cultura.am.gov.br/a-arte-visual-interage-com-a-cenarios-amazonicos-na-mostra-jaraquiart-de-jandr-reis/. Acesso em: 15 out. 2025.

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Arte e Cosmologia Baniwa. Povos Indígenas no Brasil, 2020. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Baniwa. Acesso em: 28 out. 2025.

ITAÚ CULTURAL. Clube da Madrugada. Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2024. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo398544/clube-da-madrugada. Acesso em: 28 out. 2025.

PEREIRA, Edilson. As gravuras rupestres de Balbina – Amazônia Central: contextos arqueológico e etnográfico. Amazônica - Revista de Antropologia, v. 3, n. 1, p. 118-143, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/amazonica/article/view/516. Acesso em: 28 out. 2025.

SILVA, Eloísa Almeida. O Teatro Amazonas e a "Paris dos Trópicos": O espetáculo da arquitetura e da arte no Ciclo da Borracha. Revista Brasileira de Estudos do Patrimônio Cultural, v. 3, n. 1, p. 215-230, 2010.

 

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