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A musa História - Guia das Artes
A musa História
A musa História
Nas Belas Artes e na Literatura
inserido em 2022-04-20 16:44:33
Advogada e escritora. Carioca com coração mineiro.
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Para Homero, nove eram as deusas que habitavam o Monte Hélicon. Elas deveriam ser adoradas a cada quatro anos, como filhas de Zeus e irmãs de Apolo, eram responsáveis pelas artes e as ciências devendo zelar pela Paz e a Harmonia entre os povos. Clio, sendo a mais eloquente, torna-se responsável pela mediação entre os povos, divulga e realiza celebrações no Monte. Ela é a contadora de fatos, carrega em uma mão uma trombeta e na outra um livro, motivo pelo qual é eleita pelos historiadores como a deusa da História. Não podemos afirmar se pertence ou não a Clio a voz original de fatos e versões, mas podemos dizer que os ventos do mundo helenístico sempre sopraram nos ouvidos dos artistas; seja por meio de pincéis ou penas, a História inspira a humanidade há milênios. Muito comum aos nossos ouvidos é o termo ficção histórica. Quando me refiro ao comum, ordinário, parto com os olhos no nicho da Literatura e por isso, invoco àqueles que não se familiarizam com o termo - e ao mesmo tempo possuem uma constante vontade de aprender - a conhecerem mais deste gênero da Literatura. A ficção histórica é o viés no qual o autor se propõe a desenvolver sua narrativa sobre o véu de fatos e personagens históricos, fazendo-os interagir com personagens fictícios (em geral os protagonistas) dos romances. É necessária muita pesquisa para tornar a ficção minimamente verossímil, como, por exemplo, a cronologia que os grandes fatos históricos deixam para nós. Para tanto, as fontes históricas (não raras vezes contraditórias) são a bússola do artista. É novamente que o trabalho dos historiadores, os que resistem ao tempo, nos são imprescindíveis.

 Como ficcionista histórica aprendo diariamente, surpreendo-me com as mais desconhecidas facetas de personagens que povoam nosso imaginário. Júlio César, o famoso general romano, é considerado um dos primeiros homens a historiar a Gália Antiga. Ainda que sobre a retórica do dominador, tendo em vista que seus exércitos dizimaram milhares de gauleses, em seus Comentários à Guerra das Gálias, César retrata muito do modus vivendi dos gauleses e, especialmente, sobre a religião celta. Dois mil anos após os comentários de César e da sanguinolenta guerra entre romanos e gauleses, Lionel- Noel Royer um pintor francês nascido em 25 de dezembro de 1852, em território gaulês, confeccionou sua mais famosa tela: “ Vercingetórix entregando suas armas a César”. A pintura é ricamente detalhada, sobretudo nos penachos no topo do elmo do guerreiro gaulês. Foram esses peculiares penachos usados pelos guerreiros da Gália, que fizeram os romanos chama-los de galos cabeludos. César, embora fosse o autor dos comentários, com uma nítida intenção de propagandear suas vitórias, descreve em terceira pessoa (como um espectador distante) de que maneira seu mais virtuoso inimigo foi capitulado em Alésia. Para ilustrar sua vitória sobre os gauleses, César utiliza um artifício inusual: enaltece Vercingetórix, descreve seus traços físicos, seus longos cabelos, barba e bigode, sua origem nobre. Deixa claro para o leitor que ele, César, é bem mais maduro que o príncipe averno e, mesmo assim, a virilidade romana toma corpo de máximo poder derrotando a última força resistente da Gália. Lionel-Nöel Royer, conhecido como pintor histórico, bebe na literatura de César e pinta sua mais icônica obra em 1889. Na mesma pesquisa mergulhou Lionel ao dedicar-se nas pinturas de painéis retratando Cenas da vida de Joana d`Arc, em 1913. Considerado um dos mais belos trabalhos produzidos para a Igreja Católica, ao fim de três anos Lionel deixa sua marca para a posteridade. As cenas estão disponíveis ao grande público no interior da Basílica de Bois-Chenu, em Domrémy, na França. A carreira do artista é marcada pela pintura histórica e porquê não, pela ficção. Esta que nasce pelas mãos da imaginação do artista, acrescentando detalhes e expressões em homens e mulheres que partiram para o infinito há muitos séculos.

 A Literatura registra pela voz da História, que por sua vez se utiliza dos olhos dos homens para recontá-la tempos além.

 Por nosso lado, não podemos deixar de mencionar o mais icônico trabalho do pintor paraibano Pedro Américo: O Grito do Ipiranga.  Encomendada pelo Barão de Ramalho, devido ao intenso desejo de fortalecer a monarquia, a tela de Pedro Américo retrata com todos os contornos de uma batalha épica o momento em que Pedro I divisa a História do Brasil Colônia a do Brasil Império: Independência ou Morte! Diz o nosso salvador com a espada em riste. Por se tratar de uma cena muito anterior ao nascimento do artista, Pedro Américo, assim como Lionel Royer, agarra-se aos documentos e relatos que resistiram ao nosso 7 de setembro de 1822. Faz nascer, sessenta e seis anos após o fato original, a cena por muitos revivida. Estampa em tamanho um Dom Pedro quase napoleônico (por mais terrível que nos pareça), montado sobre um alazão que segundo muitos historiadores não passaria de uma mula, e acompanhado de uma comitiva bem mais numerosa do que a que acompanhava Vossa Alteza. Mesmo assim, não perde em nada o valor histórico e menos ainda o valor plástico trazido por este que foi nosso grande pintor histórico. Atualmente O grito do Ipiranga ou Independência ou Morte está exposto no Museu do Ipiranga, em São Paulo.

 Seja na Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, na Vênus ao Espelho de Velasquez, ou na Cleópatra de John William Waterhouse, a deusa Clio se faz presente entre nós. Nos pincéis, na literatura, nos palcos e nas telas de cinema, lá está a irmã eloquente de Talia, Urânia, Calíope. A deusa virgem, filha de Zeus, sopra para as gerações vindouras fatos e versões que chamamos de História.

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