Entre o Corpo e a Multidão: a Arte Brasileira em Fricção
Por Comunicação iArremate – 10 de junho de 2025
Nesta semana, os leilões no iArremate desenham um mapa da arte brasileira onde o gesto íntimo, a crítica social e a pulsão estética se entrelaçam em um fio curatorial invisível, mas potente. Entre o figurativo lírico e o construtivo geométrico, entre a tradição e a subversão, sete obras se destacam como pontos de inflexão — e reflexão.
O Corpo, a Flor e o Espantalho
Na tela Mulata e Flor (1954), Di Cavalcanti recria o arquétipo da mulher brasileira com um lirismo carregado de cor e ambiguidade. O corpo reclinado em tons de vinho e azul se funde ao fundo noturno, enquanto a flor solitária rompe o silêncio com uma luminosidade solar. A figura feminina não é musa, é metáfora: do desejo, da solidão, da identidade nacional.
Ao lado, Espantalho (1944), de Portinari, introduz um contraponto de ironia. Feito em guache sobre papel, o espantalho carnavalesco brinca com a imagem da roça e da festa, mas também sugere abandono e melancolia. A figura é híbrida: ao mesmo tempo defensiva e decorativa, popular e crítica.
Geometria e Matéria: Tomie, Burle Marx e Barsotti
Se Cavalcanti e Portinari falam do Brasil com narrativas simbólicas, Tomie Ohtake responde com o silêncio da forma. Sua tela Sem título (1968) condensa em poucos gestos uma presença monumental: um campo verde profundo é cortado por um semicírculo branco em textura sutil, evocando ausência, tensão e serenidade.
Já o panneau de Burle Marx (1991) é quase arquitetônico: uma cartografia em camadas onde curvas e planos geométricos se entrelaçam como flora imaginária. A obra ecoa sua atuação como paisagista, mas aqui transborda os jardins e adentra o território pictórico com vigor abstrato.
Na mesma chave, a estrela branca de Hércules Barsotti impõe uma presença escultural sobre a tela. Feita com areia e pedra, a forma rígida torna-se matéria pulsante. A geometria deixa de ser apenas um código visual para ganhar densidade física e sensorial.
A Multidão como Grito
Rubens Gerchman, com Sozinho na Multidão, é frontal: um rosto amarelo se impõe como ícone, afogado num mar de símbolos, rostos e vozes que evocam o caos das metrópoles e das massas. A pintura é pop, expressionista, política. É um grito sobre o sujeito no Brasil urbano.
Fechando o ciclo, Cranio — com seu indígena azul em protesto contra o desmatamento — reaparece como personagem contemporâneo da resistência. O spray sobre tela, técnica urbana e efêmera, transforma-se em porta-voz da crise ambiental, em performance visual com humor, denúncia e identidade.
Uma Cartografia da Fricção
Reunidas, essas obras constroem uma narrativa crítica: o Brasil retratado por seus artistas não é homogêneo, nem harmônico. É contraditório, simbólico, político. Está no corpo reclinado de Di Cavalcanti, no espantalho de Portinari, no gesto silencioso de Tomie, na massa gráfica de Gerchman, na geometria densa de Barsotti e na irreverência indígena de Cranio.
É arte em fricção — entre forma e matéria, entre sujeito e sociedade.
Leilões da Semana
Crivo Galeria de Arte
10 de Junho – 20h00
Selum Leilões
10 de Junho – 20h30
118º Leilão Blombô | Goiânia
11 de Junho – 20h00
Ver catálogo completoLote 83 – Di Cavalcanti
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