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Partituras-2017-09-27 - Guia das Artes
Partituras
Evento encerrado
Partituras
Quando aconteceu
Quarta, 27 Setembro até Sábado, 04 Novembro
Local
Adelina Galeria
Rua Cardoso de Almeida, 1285
Conteúdo

Adentramos na galeria. Estamos num espaço eminentemente sonoro, mas dividido, partido fisicamente. Somos atraídos por uma rachadura. É a única forma de seguir em frente.

Há que haver uma rachadura... "there is a crack, in everything, é assim que a luz entra" (Anthem, Leonard Cohen)

Assim entramos em Partituras de Marcelo Armani: a parede em diagonal divide o espaço em dois, e pela rachadura nos vemos entre Ruidógrafo e Concerto Diplomático, instalações realizadas em 2016, em versões recriadas especificamente para a sala de entrada da Galeria Adelina.

Pode ser que Concerto Diplomático tenha nos atraído primeiro. Se estamos no espaço da obra é porque nos inserimos pela rachadura na parede e assim nos percebemos em uma relação entre sons, duas telas de madeira preta rachadas ao meio e a parede instalada. Pelo título da instalação Armani nos sugere a fina ironia de uma diplomacia incabível, pois é pronunciada através de falas de senhores de colarinho branco e políticos a nos planejar malvadezas. E um ruído que escapa, persistente, das rachaduras: sons da matéria se esfacelando, das coisas que quebram, do ataque de uma onda quadrada, do instante ríspido, um momento volátil que geralmente se esquece, até que outra fissura se repita.

A rachadura se impõe, para além dos quadros, da madeira, da parede, incondicionalmente. Se o olhar se fecha, 'no nada' temos o som, sempre. Claro, o silêncio não existe. E o ruído se infiltra no espaço e nos remete a antigos debates, entre as dicotomias entre o analógico e o digital -- pois pensavam alguns que o ruído se tornariam irrelevante, que a instabilidade, a oscilação, a interferência, os sinais-fantasma, as vibrações, a má sintonia, todos esses "ruídos", seriam expurgados, uma vez que adentrássemos no âmbito numérico, na era digital. As tecnologias nos traem, quase sempre. E convivemos com contradições: a madeira trincada sendo exposta, revelada pelo ruído, pelas vozes nefastas, que escancaram a politicagem, obscena, dos homens que giram em torno do poder. São falas de Donald Trump, Mauricio Macri, Michel Temer, Fernando Bezerra Coelho Filho, ministro de Minas e Energia, José Ivo Sartori, governador do Rio Grande do Sul, Joesley Batista, Jair Messias Bolsonaro e Marco Antônio Feliciano. Essas falas afrontam nossa passividade, as rachaduras poderiam ter sido causadas pela reverberação desses discursos ultrajantes.

De volta pela rachadura instalada no espaço, nos atentamos para novos ruídos no ambiente, de outra ordem.

Estamos diante do Ruidógrafo, composto por fios de nylon, alto-falantes, botões de acionamento e uma caneta dependurada, equilibrando sobre uma superfície de papel. Isso se o mecanismo não tiver sido acionado, pois a obra não é exatamente o sistema, mas o perceber dos movimentos de oscilação, literalmente e visivelmente, entre o som, o desenho e toda uma instabilidade que se insere na (in)certeza do traço em curso. O som é modulado entre os falantes e o desenho (abstrato, a princípio), ao qual se atribui a imagem mesmo daquilo que buscamos ver, a escrita do ruído, a impressão da vibração, aquilo que escapa mas que percebe-se pulsando.

Como numa espécie de partitura, cada linha representa diferentes modulações, traçando escritas distintas e únicas. Antes, em outras versões da obra, era apenas uma linha e uma caneta - um sinal de gravidade mais pontual. Agora são cinco o número de linhas que ressoam através do áudio e produzem desenhos – sim, como numa partitura. Mas uma partitura "ao contrário", que não rege, não é a pauta para uma execução, mas sim sua consequência. Uma partitura que registra a ressonância, a tensão do nylon, o volume sonoro, as intensidades de vibração -- e também a escolha da "caneta-agulha" desse toca discos também invertido, pois grava e não apenas reproduz. O suposto silêncio é o repouso da caneta, um escorrer de tinta, um contato como o papel que, por adesão e coesão forma um ponto que se alastra. Os graves tendem a produzir saltos nos traçados, frequências iguais vindas dos falantes que tencionam os fios de nylon anulam o movimento, causam uma indefinição no sentido do traço.

Marcelo Armani investe na experimentação e na observação. Dedicado, intuitivo e inquieto, para compor suas trilhas e partituras, Armani realiza captações de áudio em campo, 'microfona' superfícies, estuda o comportamento de frequências, se vale de referências científicas e de uma generosa predisposição ao acaso.

Seria objeto típico das ciências mais exatas, um dispositivo técnico de "ver o som" (uma obra que poderia se chamar [escre]vendo o som). Mas é também um enfrentamento do imprevisto, das infinitas possibilidades que se inserem entre um traço e outro, entre a pulsação e a escrita. O artista nos convida a pensar para além do cientificismo que caracterizaria um instrumento específico de medição. No lugar de tecno-determinismo temos a introdução de caos, o peso da ressonância, uma mensuração estética sim, mas permeada pelo imprevisível que se insere no movimento pendular afetado por atritos diversos: a rugosidade do papel, a ponta áspera, a vibração da superfície, a flutuação do sistema em si - toda uma relação háptica. Uma criação potente que gera o que Armani chama de ruidografias: a grafia do som, um desenho que emerge da tensão e do peso, uma partitura que afinal é seu próprio avesso.

Daí que a ideia de partitura se relaciona com ambos os trabalhos e também contém a palavra "partir", que ressoa atos de separar, em uma espaço dividido em dois, em um conjunto complexo e inquietante, prenhe de ruídos eloquentes, significantes, urgentes, políticos.

E constatamos entre um espaço e outro, que o ruído, em ambos os projetos, nos indaga: quem ousa dizer hoje o que é música e o que não o é? O que é partitura, o que é desenho, o que é intenção, o que é heresia, o que é poesia?

A corda tensa, o ir e vir, o vai e volta, o ar que se desloca, a tinta que escorre, a ponta cega que vibra, o tração que resvala, o fio que estica, a tábua que racha, o desenho a desenhar-se.

Como pequena vingança contemporânea, voltamos a nos interessar pelo que escapa ao digital: ruídos convictos, eloquentes, que emergem de modulações eletrônicas, tensões de linha, de sinal e de recepção. A ideia de ruído que interessa não se contrapõe à informação, mas é a parte mais desejada dela.

Lucas Bambozzi, 12 de setembro de 2017

Preços e pagamento
Entrada gratuita
Contato
+55 11 3868-0050
oi@adelinagaleria.com.br
* Os horários podem variar em função de férias e feriados. Recomendamos ligar antes para verificar.
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