ATÉ COMEÇAR A PARECER ORDEM DE RICARDO VILLA
Em mais de uma oportunidade, na hora que seu trabalho começava a seguir um caminho que lhe parecia excessivamente familiar, Ricardo Villa tem optado por transformações significativas na maneira de conceber e produzir suas obras. A razão principal para isso parece ser que o artista, de maneira mais ou menos consciente, recusa qualquer tipo de zona de conforto, como poderia vir a ser um estilo imediatamente reconhecível, ou o uso de uma única mídia. Consequentemente, além de transitar por numerosos suportes (nos últimos anos, Villa tem utilizado a escultura, a fotografia, o desenho, a instalação e o vídeo), seu trabalho responde, programaticamente, apenas às exigências do tema que ele estiver tratando, sem deixar que questões formais se sobreponham à pesquisa.
Até começar a parecer ordem, primeira exposição individual na Luciana Caravello Arte Contemporânea, é, nesse sentido, extremamente representativa do seu modus operandi: a relação entre as obras não se estabelece tanto a partir de afinidades estilísticas, quanto do substrato comum a todas elas, que é o de uma reflexão do artista sobre obras seminais de alguns dos maiores pensadores da sociedade capitalista, seja a partir de sua matriz econômica, como Adam Smith ou Karl Marx, seja no âmbito de uma visão filosófica e política, que inclui referências variadas, de Herbert Marcuse a Hannah Arendt. Nesse conjunto, um lugar de destaque cabe a Vilém Flusser e à sua reflexão sobre o papel da língua e da linguagem na criação da realidade, reflexão que se faz extremamente presente, aqui, no conjunto de obras em que a “linha- frase” do livro se torna “linha-desenho”, como o próprio artista afirma.
A investigação sobre a maneira como os pensadores que analisam a sociedade a “constroem”, por assim dizer, através da linguagem usada para descrevê-la, constitui então a matriz conceitual que confere unidade ao conjunto de trabalhos na exposição. Por outro lado, uma das questões que mais têm interessado o artista diz respeito ao papel de obras bastante críticas da maneira como o capital é distribuído na sociedade, como a maioria das que apresenta aqui: quem se interessa por elas, quem as adquire, quem é levado por elas a uma reflexão que, de outra forma, não teria feito? Seja através dos elaborados origamis feitos utilizando cédulas de dinheiro (na série Articulando Princípios: Origamis, 2017), nas delicadas topografias “desenhadas” utilizando como linhas trechos de textos clássicos de teoria econômica e política (na série Articulando Princípios: Terreiro, 2017), ou ainda nas tramas coloridas de Cruzeiro/Cruzado (2017), onde a ideia da alienação gerada pelo trabalho faz-se ainda mais evidente, as perguntas permanecem as mesmas. E o que talvez seja ainda mais significativo: elas permanecem, e irão permanecer, sem resposta. Porque estas obras não foram concebidas com o intuito de oferecer qualquer tipo de resposta, e menos ainda soluções, para a sociedade contemporânea. Silenciosa e rigorosamente, elas buscam cumprir um papel em teoria mais simples, mas de inegável importância nos tempos que vivemos: vigiar, lembrar, apontar para a origem dos desvios que nos afetam cotidianamente.
Jacopo Crivelli Visconti
www.lucianacaravello.com.br