Ao fim do segundo andar do Pavilhão da Bienal, após passar por estandes de mais de 130 galerias presentes à 14ª edição da SP-Arte, o público se deparava com uma passagem de cerca de um 1,5 metro, pintada de vermelho. A porta delimita a área de 220 m² dedicada à performance, linguagem que já fazia parte da feira desde 2015, mas que, este ano, ganhou um espaço exclusivo.
‘O sistema de roldanas faz com que a escultura tenha um peso um pouco abaixo do meu, de 64 kg, o que faz com que eu não seja arremessado no ar. Mas qualquer deslize pode fazer com que a peça caia’
A primeira visão de quem entra é o artista goiano Paul Setúbal segurando uma corda que sustenta no ar, por meio de um intrincado sistema de roldanas, uma escultura de Franz Weissmann de 250 quilos, emprestada por uma colecionadora. O esforço do artista para manter a obra suspensa durou mais de 10 horas, tempo em que o espaço ficou aberto ao público.
A mudança de registro se faz sentir logo nessa entrada, onde muita gente permanece olhando antes de decidir entrar. Após passar por corredores repletos de obras de nomes que movimentam cifras astronômicas ao redor do mundo, como o britânico Damien Hisrt, o chinês Ai Weiwei ou o alemão Wolfgang Tillmans, o visitante se depara com uma realidade contrastante, na qual o corpo é a obra.
— O sistema de roldanas faz com que a escultura tenha, para mim, um peso um pouco abaixo do meu, de 64 kg, o que faz com que eu não seja arremessado no ar. Mas qualquer deslize pode fazer com que a peça caia. Para suportá-la durante todo o tempo, o corpo compensa os músculos que começam a falhar — explica Setúbal, que foi indicado ao Prêmio Pipa no ano passado. — É muito significativo que seja um Weissmann, aqui no prédio da Bienal, no momento convertido em uma feira. São muitas camadas de leitura sobre o "peso" da arte.
Da mesma forma, outros artistas performáticos permanecem em ação durante todo o tempo. Nas laterais, Karlla Girotto improvisa coreografias por horas a fio em sua performance "Dança estranha"; Gabriel Vidolin se mantém em silêncio em sua cozinha improvisada, disponível para que o público se sente e conte uma história para ele; o coletivo paulistano Brechó Replay mescla diferentes linguagens para abordar tremas como representatividade e empoderamento; e a dupla Protovoulia disputa objetos em meio a um monte de cinzas.
O choque com o espírito da feira também está presente na obra do Brechó Replay, cujos membros vivem também em coletividade e trouxeram questões de seu cotidiano para o centro da performance.
— Ter um espaço exclusivo é um forma de trazermos nossas questões para a feira, mas em vez de pensarmos nisso só como oportunidade, também questionamos o fato de a performance não estar presente assim antes. A representatividade que queremos também se relaciona ao público. Por isso, pintamos na parede a quantidade de pessoas negras que vieram aqui assistir — comenta Eduardo Costa, do Brechó Replay, apontando a parede branca com 26 riscos vermelhos.
Em sua performance, Karlla Girotto convida o público para interagir e dançar com ela, o que não aconteceu com frequência durante a abertura da SP-Arte:
— Há um sistema instaurado lá fora, as pessoas vêm para uma grande feira, com todos os seus códigos. Quando elas entram, este registro é rompido, e elas têm que se colocar à disposição das obras também. A maioria não consegue atravessar essa linha, mas nos momentos em que essa interação aconteceu, foi muito intenso.
Para a curadora do evento, Paula Garcia - brasileira que vive em Nova York e é colaboradora do Marina Abramovic Institute - o fato de a performance ter ganhado um espaço próprio colocou a linguagem no mesmo patamar de outras linguagens presentes à SP-Arte, como a Pintura e a escultura.
— Isso é uma tendência mundial, a diferença aqui é que a maior parte dos artistas presentes não tem representação de galeria. É uma estratégia para criar um diálogo com o mercado, e a partir disso cada um cria seu protocolo de venda. O vídeo também passou por esta transformação, com o tempo passou a estar ser inserido pelo mercado — aponta Paula. — Antes a performance já fazia parte da SP-Arte como vitrine, mas este tipo de projeto poderia ser feito em qualquer tipo instituição. O interessante de realiza-lo numa feira é abrir um espaço de respiração, onde o visitante se torna parte do trabalho.
Fonte: oglobo