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Exposição na Tate revela busca estética de artistas afro-americanos - Guia das Artes
Exposição na Tate revela busca estética de artistas afro-americanos
Exposição na Tate revela busca estética de artistas afro-americanos
A mostra reúne 150 pinturas, esculturas, fotos e instalações de 60 artistas e debate como a estética negra foi definida, criada e aceita entre 1963 e 1983, a partir — mas muito além — da luta por direitos civis.
inserido em 2017-07-24 13:07:54
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No início de 1963, em Nova York, um grupo de jovens artistas se reuniu para alugar um ônibus e acompanhar a Marcha em Washington por Emprego e Liberdade, na qual Martin Luther King Jr. (1929-1968) faria seu famoso discurso sobre sonhar o fim da segregação. Autodenominado Spiral, o grupo evoluiu, nos meses seguintes, da logística de viagem para debates estéticos e para a busca pelo que um de seus fundadores chamou “nova ordem visual”. “Soul of a nation: Art in the age of black power”, exposição aberta na última semana na Tate Modern, em Londres, parte do surgimento do Spiral — e do discurso “I had a dream” de Luther King — para investigar pela primeira vez um período dramático na arte americana, em que os negros se consolidam como protagonistas.

A mostra reúne 150 pinturas, esculturas, fotos e instalações de 60 artistas e debate como a estética negra foi definida, criada e aceita entre 1963 e 1983, a partir — mas muito além — da luta por direitos civis. Mas também evidencia suas ambiguidades, que, afinal, são imprescindíveis à criação artística.

— Tivemos exposições sobre arte americana por anos na Tate. Mas havia uma questão: por que jamais fizemos uma sobre arte afro-americana? — pergunta Mark Godfrey, um dos curadores da exposição.

A resposta fica no ar. A recorrência dos temas relacionados a escravidão, opressão do aparato do estado e luta por liberdade percorrem as 12 salas da mostra. Estão nos fragmentos do celebrado Wall of Respect, em Chicago, e nos originais dos jornais do grupo Panteras Negras. No início dos anos 1960, o gueto era a galeria (“the guetto itself is the gallery”, como descreveu o artista Emory Douglas, ministro da Cultura dos Panteras). Mas, nos anos 1970, o ativismo chega às galerias e passa a ser acompanhado por debates sobre estética, nem sempre capazes de unir vozes.

Rcortes de Jornais

No caso do grupo Spiral, por exemplo, quando seu fundador, Romare Bearden, propôs que o coletivo reunisse recortes de jornais como forma de usar a linguagem midiática corrente para abordar a opressão aos negros, ouviu de seus parceiros o que não esperava.

— Ninguém quis fazer colagens — conta a curadora da exposição, Zoe Whitley.

Bearden seguiu só, criou uma linguagem própria através das colagens e ajudou na formulação de perguntas que conduziriam a reflexão de outros grupos nos anos seguintes.

— Existe uma arte negra? A responsabilidade do artista é direcionar seu trabalho à comunicação com a sociedade ou à satisfação pessoal? A partir destas questões, feitas por aquelas gerações, montamos a exposição — relembra Whitley.

“Soul of a nation” tem seu ápice na sala 9. A pintura “Muhammad Ali”, de Andy Warhol, é um contraponto à ideia de herói proposta pelos artistas negros americanos a partir dos anos 1960. Sem interesse por esportes, mas obcecado por famosos, Warhol tirou, em 1977, fotos de atletas que considerava “grandes estrelas”. Na leva, estavam, entre outros, Pelé, Kareem Abdul-Jabbar e Ali, então campeão mundial pela terceira vez. Delas, fez impressões em acrílico, em 1978. Na tela exposta, Ali nos encara, pronto para o punch de direita. Mas, de fato, sabendo-se que o lutador era figura pública, idolatrada por um artista que, embora oriundo da classe trabalhadora, era branco, a imagem fica conceitualmente no corner. Afinal, no restante da sala, retratos de negros anônimos mostram uma busca por um herói do dia a dia. Em outras palavras, os negros não precisam ser famosos para serem interessantes aos artistas. É o caso de “Eva the Babysitter”, de Emma Amos, que retrata uma babá negra ao lado de uma criança branca, e de “Icon for my man Superman”, autorretrato de Barkley Hendrix que deu à tela o subtítulo de “Super-Homem nunca salvou um negro”. A frase, dita pelo cofundador dos Panteras Negras Bob Seale no julgamento no qual foi condenado a quatro anos de cadeia em 1969, revela dois lados de Hendrix, falecido em abril, aos 72 anos. O artista queria forma, beleza, perfeição ao retratar a pele negra e, ao mesmo tempo, faz de sua obra — e presença nos autorretratos — uma ação política secundária, embora indelével.

— Uma vez ele me disse que jamais se interessou em falar em nome de todos os negros — lembra a curadora. — Ele queria ser o melhor pintor.

Hendrix afirmava que seus trabalhos só eram considerados políticos porque os Estados Unidos nos anos 1960 eram um país “tão ferrado que não conseguia ver o que artistas negros estavam fazendo”. Reconhecido, ele não se rendeu fácil ao flerte de críticos brancos. Certa vez, foi chamado de “bem dotado” pelo celebrado Hilton Kramer. Num sarro, fez o autorretrato “Brilliantly endowed” (“Brilhantemente bem dotado”), em que aparece nu. Em 1977, aquela era uma declaração tão desafiadora quando a frase “eu sou o maior”, de Ali. Outros trabalhos de Hendrix, na mesma sala, não permitem distração: conclui-se que a força estética do black power transcendera política, poesia e música. Hendrix talvez seja o símbolo maior de triunfo da geração. Logo após sua morte, uma de suas telas foi vendida por quase R$ 4 milhões em um leilão da Sotheby’s. A venda reforça a ideia de que os artistas negros podem e devem estar dentro das grandes galerias, e que sua busca estética é tão legítima quanto a política.

DISCO DUPLO E PLAYLIST

A documentarista Linda Goode Bryant, fundadora da galeria JAM, em Nova York, lembra que era comum ouvir de artistas negros no início dos anos 1970 que não teriam trabalhos expostos porque “eles não deixam”. Os galeristas brancos, no caso. Isso mudou, embora, para muitos, o gueto ainda seja a galeria.

“Soul of a nation: Art in the age of black power” fica na Tate Modern até 22 de outubro. A exposição também motiva o lançamento, em 3 de agosto, do álbum duplo “Soul of a nation: Afro-centric visions in the age of black power: Underground jazz, street funk & the roots of rap 1964-79”, pelo selo londrino Soul Jazz Records. Na compilação, a trilha sonora do período, com Gil Scott-Heron e sua clássica “The revolution will not be televised”, e Philip Cohran and The Artistic Heritage Ensemble, com “Malcolm X”, entre outros. A Tate também criou uma playlist no Spotify, com mais da trilha musical do período.

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